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segunda-feira, 30 de setembro de 2024

“NOVA YORK É MUITO TUDO.”: RELATO DE UM PROCESSO CRIATIVO

 


Por Vera de Freitas - RJ

                Em junho de 2024 visitei uma exposição de colagem no Parque Lage, Nno Rio de Janeiro, e saí super inspirada. Queria criar algo muito grande, como já havia sido orientada, e enfim era hora de criar algo realmente de grandes dimensões, mas não tive coragem de iniciar. Era uma proposta, uma ideia desafiadora, exigindo dedicação, trabalho e muita criatividade.

Saí da exposição inspirada e desafiada. Precisava pensar rapidamente e fazer, produzir, realizar, criar. Grandiosamente.

                Resolvi trabalhar com papel Paraná, de 1m x 80cm. Seriam 3 placas desse tamanho. Ou seja, 2,40m x 1m de altura. Pensei no vínculo, numa sequência, na junção de uma placa na outra e na outra, para parecer uma única obra, a unidade, o todo.

                Todas as etapas foram deliciosas de pensar, de planejar e de fazer.  Muitas não foram fáceis nem simples e algumas desafiadoras. O tema, não tinha ideia. Fui criando e acreditando que alguma hora eu o definiria. Fui produzindo com muita liberdade e por isso, brincando com a criatividade, simplesmente fazendo.

                Comecei o processo fazendo essa união entre as 3 partes, depois coloquei cor nos papéis, por indicação do meu arteterapeuta, e realmente ficou bem melhor. Pintei flores que eu amo, mas depois de prontas não gostei. Ainda assim, deixei e continuei, fazendo uma parte e outra, depois mais uma e assim fui indo, simplesmente criando, fazendo, juntando, compondo. Ainda insatisfeita com as flores, pensando em como refazer, achei uma alternativa, cobri de papéis, fiz outras flores, recortei, colei e adorei. Resolvido. Satisfeita.

                A partir daí comecei a amar o trabalho. A cada movimento, cada imagem, símbolo ou qualquer coisa eu o amava mais. Mas ainda não sabia o que ele me dizia, nem aonde chegaria. Do mesmo jeito que simplesmente só criava, também simplesmente o amava, e por tudo isso, estava super feliz. Foram dias e meses de criações, transformações e composições. Até que agosto chegou, ele ainda não estava pronto, guardei e fui viajar. Ainda não sabia como ele terminaria, não tinha título, nem mensagem, nem história, nada. Faltava alguma coisa importante e eu não tinha ideia do que era.

                Deixei o trabalho guardado e fui para Nova York, um lugar ao qual eu nada sabia ou conhecia. Fiz uma viagem maravilhosa, completa, repleta de passeios, pontos turísticos, muita arte e beleza, lugar de muita riqueza, luzes, cores, novidades, intensidade, muita grandeza. Nova York é muito tudo. Muito mesmo. Eu me surpreendi e me encantei. Foi muito melhor do que eu podia imaginar. Voltei lotada de estímulos, de vontade, de energia e com vontade de todo tipo de arte. Era muito tudo.  Precisei escrever para registrar, relembrar, para fixar e não esquecer, sobre muitas coisas vistas, experimentadas e vividas. Produzi, com sacolas e embalagens que trouxe de lá, um caderno para esses registros. Escrevi sem parar, precisava organizar e também esvaziar. Escrevi muito.

                Alguns dias se passaram e ainda com a cabeça, o coração e a alma cheios de ideias e vontades, lembrei do meu grande trabalho. E, para minha surpresa percebi que tudo que havia visto e vivido, estava representado naquele trabalho, guardado atrás da porta do quarto, aguardando o meu retorno. Mesmo sem estar finalizado, ele já representava a minha viagem. Era Nova York com muito de tudo. Tudo se encaixou. Das imensas flores que me encantaram no primeiro momento, de passeios por lugares lindos, de tantas pessoas diferentes, pessoas com estilos próprios de simples a exuberantes, dos mosaicos e todo tipo de arte nas diversas estações do metrô, de arte em todo lugar, dos muitos tênis, sapatos e andanças durante toda a viagem, e todo meu deslumbramento. Tudo muito. Maravilhoso, grandioso, estimulante, inspirador e acima de tudo surpreendente. E agora, era fácil finalizar com algumas coisas que eu trouxe exatamente para fazer arte.

                Comecei esse trabalho grande antes de conhecer o que ali representei. Antecipei, não sei como aconteceu. “Só se que foi assim...” como diria Ariano Suassuna. Trabalhei com a minha subjetividade, com a minha alma, com liberdade e criatividade, com a minha intuição mais profunda.

Sincronicidade e transcendência são conceitos da psicologia analítica de Jung, que estudo há anos e agora consegui vivenciar e realizar. Quando revejo meu processo criativo percebo que fui além. Ultrapassei meus limites conscientes para trabalhar, expressar, representar coisas muito internas da minha alma, da minha psique. Foram inshigts criativos e livres a partir da intuição, de uma percepção inconsciente. E foi isso que aconteceu. Foi disso que esse trabalho grande nasceu. Muito além de mim. Ultrapassei, transcendi, criei.

                Nova York fez isso comigo. É muito tudo.

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Sobre a autora: Vera de Freitas



Advogada, Fomação e Pós Graduação em Arteterapia e Envelhecimento Ativo,  Subjetividade e Arte(POMAR).

Administradora do Instituto VENHA CONOSCO - Tijuca, RJ

Professora de Iniciação Artística - Instituto ZECA PAGODINHO 

Professora de Ateliê Terapêutico/Curso de Formação - POMAR

Diretora Administrativa  da AARJ 

Facilitadora de Grupo de Arteterapia  para adultos e Grupo de Desenho Livre.

Ateliê  de PAPEL MACHÊ e Diário Criativo.

segunda-feira, 23 de setembro de 2024

A BUSCA PELO PERTENCIMENTO - REFLEXÕES NA ARTETERAPIA

 


Por Sarita Elias 

@sarita_arteterapeuta


O tema do pertencimento tem sido uma constante na minha trajetória como Arteterapeuta. Já escrevi um artigo sobre este assunto no contexto de idosos residentes em uma Instituição de Longa Permanência e atendo uma cliente que mora fora do Brasil há 12 anos, estando sempre em diálogo com essa temática, ainda que de forma inconsciente. Recentemente, recebi uma nova cliente que expressou a seguinte inquietação: “Não me sinto bem neste lugar, não me sinto pertencente”. Pertencimento! Palavra que tem o mesmo significado de pertença, que significa "aquilo que faz parte de; pertence, propriedade; atribuição". Como seres sociais, faz parte da nossa natureza humana a necessidade de pertencer, de fazer parte de algo. De acordo com Cardella (2015): 

"A vida humana é sempre vida de alguém, que acontece em meio aos outros. O outro, o diferente, o estranho, nos limita, desafia, contesta, desaloja, desarruma e também confirma, testemunha, acolhe e se deixa transformar pelo nosso modo de ser. Paradoxalmente, nos faz outros para nós mesmos e possibilita que nos apropriemos do próprio" (CARDELLA, 2015, p. 181). 

Sendo o pertencimento uma necessidade humana fundamental, naturalmente, essa questão chega à clínica arteterapêutica. Isso me faz refletir sobre a importância de estarmos preparados para acolher essa busca, o que implica, entre outras coisas, compreender o que significa pertencer para cada cliente. No entanto, é igualmente crucial diferenciar entre um desejo autêntico e legítimo de pertencer e o anseio por "encaixar-se" em um contexto de forma irrefletida. 

Esse desejo irrefletido de "se encaixar" pode estar fortemente ligado à perda de identidade, causada por uma variedade de fatores. Um caminho terapêutico pode ser criar propostas que fortaleçam a autoestima e o senso de identidade. Ao perceber-se como único e singular, o indivíduo tende, naturalmente, a descobrir a sua pertença nos espaços que lhe são dignos, afastando-se dos lugares que não lhe cabem.

 Além disso, o pertencimento é apenas uma das várias dimensões que constituem a dignidade humana. Observar como o cliente se relaciona com essas diferentes dimensões – como a sua criatividade, senso de responsabilidade, hospitalidade, reconhecimento de si e do outro, entre outros aspectos – é essencial. Isso nos permite compreender melhor as razões pelas quais essa necessidade de pertencimento emerge nas sessões. 

Compreender as necessidades do cliente requer uma abordagem cuidadosa, uma vez que é o próprio cliente quem sabe o que precisa ser trabalhado em terapia. Como afirma Cardella (2015): "Só quando aceitamos que não conhecemos o outro é que podemos, de fato, reconhecê-lo" (CARDELLA, 2015, p. 51). 

Com esses pontos em mente, o acolhimento, as propostas e os materiais selecionados na arteterapia devem funcionar como uma ponte entre a dor inicial que a ausência de pertencimento provoca e a descoberta do lugar do cliente no mundo. Isso, por sua vez, permite que o pertencimento seja vivido como uma consequência natural do "ser". 

Bobliografia CARDELLA, B e a t riz. D e v olt a p a r a c a s a. 2. e d. A m p a r o: G r á fic a F o c a, 2 0 2 0. 2 9 6 p.


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Sobre a autora: Sarita Elias - AATESP 1104/0923 


Formação: Graduação em Pedagogia e Artes Visuais e pós graduação em Arteterapia pelo instituto Faces 

Área de atuação/projetos/trabalhos: Sou Sarita Elias, Arteterapeuta, Arte-Educadora e Artesã. Atuo como Arte-Educadora com crianças de escola pública e Arteterapeuta com atendimentos individuais e em grupo no formato online e presencial. Atualmente faço parte do projeto de Atendimento Social do Não Palavra como Arteterapeuta e coordeno o grupo de Arteterapia online “Criar, cuidar e ser!”. 

Contato: @sarita_arteterapeuta (instagram); sarita.arteterapeuta@gmail.com (email) 

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

UM OLHAR ARTETERAPÊUTICO SOBRE A VIDA E OBRA DA ARTISTA BOTÂNICA MARGARET MEE “DAMA DAS FLORES”

 Por Débora Castro - RJ

@deborarterapia

Sou Débora de Castro, Graduada em Pedagogia e Artes Visuais e hoje tenho muito orgulho de me apresentar também como ARTETERAPEUTA. Minha trajetória vem sendo trilhada com muita sensibilidade e sempre com um olhar atento no que os artistas/pintores, podem nos possibilitar e nos ajudar no nosso processo de AUTOCONHECIMENTO.

Hoje apresento a artista botânica, ambientalista, escritora  e professora, Margaret Ursula Mee. A artista botânica britânica, nasceu em (1909-1988),  viveu no Brasil  durante trinta anos e devotou a vida a viajar acima do rio Amazonas. Dos seus vários tributários, realizou expedições onde coletou e pintou  várias plantas da Amazônia, nomeadamente orquídeas, bromélias e outras espécies da flora tropical. 

 

Margaret Mee perpetuou  pelas suas obras a delicadeza dos desenhos e a fidelidade à natureza. Suas pinturas foram importantes não só para o desenvolvimento da botânica, mas também preciosas ao estudo das cores, das formas e da técnica de grafite e aquarela sobre papel. Uma poeta da botânica, que escrevia seus versos com pigmentos suspensos em água. A natureza era o tema; a aquarela, o verbo de Margaret Mee. Sépalas e pétalas versam a obra desta artista inglesa que se especializou em plantas da Amazônia brasileira. 

A artista foi capaz de superar a própria natureza, (aparentemente) frágil, de mulher quase octogenária, para colher, nos confins de uma densa floresta, em noite de lua cheia, a beleza de uma única flor: a FLOR DA LUA, que se abre, exala seu perfume, oferece seu pólen e se fecha, em uma só noite - um reflexo lunar da rosa de Malherbe.

A Flor da Lua inspirou uma das aquarelas mais caras à Margaret Mee, retratada em seus diários. Ela teve muita dificuldade em encontrá-la, devido a sua existência efêmera, pois esta flor vive apenas uma noite, durante a lua cheia. E assim como é possível conhecer suas estruturas pelas vias da ciência, também é possível ter sensações potencializadas pela sensibilidade artística de Margaret Mee.

                                                      


Ilustração em aquarela “FLOR DA LUA” – Floresta da Amazônia

Seu trabalho artístico era repleto de pinceladas em aquarela, as cores dialogavam com o ambiente livre, intenso, um mergulho profundo em meio da Floresta Amazônica, destemida e corajosa, a artista nos inspira e nos mostra o quanto somos capazes de enfrentarmos nossos medos e superá-los com determinação e resiliência.

Margaret Mee é fonte de inspiração para meu trabalho como Arteterapeuta.  Assim, apresentei a de forma poética a história da artista a um grupo arteterapêutico de mulheres que atendo na modalidade continuada. A proposta do encontro foi despertar nas participantes um olhar sobre o quanto precisamos “Regar para Florir”  para que nossas  flores internas possam desabrochar, com Liberdade e sensibilidade. Aprender com as flores é entender a importância de olharmos para dentro e cuidarmos daquilo que realmente importa, nosso INTERIOR. O jardineiro somos nós e o jardim é o nosso interno, nossa consciência, nossas emoções, nossos sentimentos e a forma como cuidamos do nosso interno, de nós mesmos.

Durante a sessão de Arteterapia o grupo também assistiu um pequeno fragmento do documentário: “FLOR DA LUA” – Dama das Flores

 


Documentário completo: https://www.youtube.com/watch?v=Mr70PGqAgSw

A partir das reflexões sobre a história da artista e das analogias feitas no nosso processo de AUTOCONHECIMENTO, fiz as seguintes perguntas para o grupo:

      Convido você nesse momento, a olhar para essa FLOR que existe dentro de você.

      Observe como está a raiz que sustenta essa flor, as cores, as folhas, as texturas.

      Como você tem nutrido e regado o solo para essa FLOR crescer e desabrochar cada vez mais.

              Em seguida fomos para plástica arteterapêutica, as participantes foram convidadas a mergulhar no seu jardim interno, observando as flores, raizes, texturas e suas nuances que fazem parte da estrutura emocional do grande Jardim chamado “INTERIOR”.

Registro das participantes:

“O sol me dando energia e assim como a Margareth Mee, um olhar determinado para frente, estando em um mar de emoção (água), mas sendo capaz de ser frágil como as flores e a Flor da Lua, mesmo com os espinhos”.

 


Participante “D”

“A encontro mediado pela arteterapeuta Débora de Castro, sobre a  artista botânica Margaret Mee foi de uma profundidade sensacional tudo pensado com carinho do relato sobre a artista , passando pelas imagens e músicas belíssimas. Fomos incentivadas a cuidar do nosso jardim interno, de forma suave e bela. A sessão foi muito reflexiva e o que a artista me despertou é que tenho  que ser resiliente e corajosa. Podemos tudo, basta a gente querer. Se empenhar e não deixar nada para depois”.

 


Participante “S”

Transitar pelo campo das flores e trazer à tona aquilo que precisamos regar, cuidar e preservar é algo muito potente na vida de todo ser humano. Vivemos num cotidiano com tantas tarefas e responsabilidades que a vida nos apresenta, que esquecemos  de usar o nosso regador emocional. Não podemos deixar de lado aquilo que nos rege todos os dias, nossos sentimentos. Reguemos nossas flores no individual e no coletivo. Somos uma grande floresta que precisa de cuidado para se manter viva e com saúde.

Como Arteterapeuta me coloco num lugar de muita responsabilidade e acolhimento durante meus atendimentos seja em grupo ou individual.  Falar da Margaret Mee para mulheres num grupo de Arteterapia,  foi um  fio condutor muito reflexivo e potente, pois, o  despertar através da arte, dos materiais expressivos e também das obras da artista , ajudou a ampliar o olhar das participantes, estimulando-as  a cuidarem cada vez mais dos seus Jardins Interno. 

Encerro esse texto com uma frase de Margaret Mee:

“Sei que minha morte não significará o fim do meu trabalho. Onde quer que eu esteja, tentarei influenciar aqueles que estão destruindo o planeta para que deem à natureza uma chance de sobreviver”.

Reflitamos, então, que Margaret cumpriu o seu legado até o fim, mas os frutos de seus trabalhos e conhecimento continuam se multiplicando até os dias de hoje e a beleza e importância de seu trabalho sempre será lembrado! Como em 1994, ano em que foi tema do enredo da Escola de Samba Beija Flor, no Rio de Janeiro, com a música "Margaret Mee a dama das bromélias".

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Sobre a autora: Débora Castro



Sou Débora de Castro, graduada em Pedagogia, Educação Artística, com pós-graduação em Psicopedagogia e Pós-Graduação em Educação Especial e Inclusiva. Com formação em Arteterapia. Atuo na área de Educação há mais de 28 anos, como professora de Artes Visuais e História da Arte. Atualmente coordeno um grupo de Arteterapia para Mulheres e ministro oficinas Arte terapêuticas no online e presencial.