Por Eliana Moraes
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@naopalavra
Desde 2022, venho investindo na promoção de espaços de ateliês arteterapêuticos para estudantes e profissionais da Arteterapia, com o objetivo de apresentação dos materiais e criação de intimidade com suas diversidades, bem como a manutenção da chama da criatividade no pensar arteterapêutico. Esses espaços contam com as belas parcerias de Mariana Farcetta (online, pelo Instituto FACES) e de Vera de Freitas (pelo Não Palavra em palestras online e presencial no RJ e SP). Fragmentos desse percurso já foram registrados em dois textos anteriores desse blog: PARTE 1 e Parte 2
O texto de hoje é escrito após dois eventos marcantes dentro de uma semana: o fechamento do ciclo de 4 meses de ateliê em parceria com Mariana, oferecido à uma turma de 25 alunas, e o encontro presencial do ateliê “Experimentação em Camadas 2”, em parceria com Vera no Instituto Venha Cosnosco – RJ, com um total de 11 participantes.
Nesta segunda feira, retorno à minha rotina de
trabalho acreditando cada vez mais na importância da manutenção de espaços de
experimentação de materiais e desenvolvimento da criatividade para arteterapeutas
e estudantes. De posse da confiança de que estamos em um caminho promissor, retomo
uma reflexão anterior:
O caminho de contato pessoal com a prática criativa se inicia no
curso de formação, mas na realidade se estende a todo o tempo da formação
continuada do arteterapeuta, ou seja, enquanto este se mantiver ativo em seu
estudo e práticas. É essencial que ele conheça e experimente por si mesmo os
potenciais e as propriedades da grande variedade de materiais possíveis a serem
usados em um setting arteterapêutico, em cada uma de suas singularidades. É
importante que vivencie os processos de estímulos, resistências,
enfrentamentos, desbloqueios, busca e encontro de soluções, encantamentos, mas
sobretudo, a criação de intimidade com as materialidades para que possa dar a
sustentação necessária para os futuros experienciadores da Arteterapia, que a
seu tempo viverão estes enfrentamentos na condição de pacientes/clientes.
(MORAES, 2022)
Nesse caminhar de estudo e prática, uma de nossas
referências teóricas é Fayga Ostrower e seu clássico livro “Criatividade e Processos
de Criação”. Sendo a autora uma teórica
da arte, nós arteterapeutas podemos lê-la fazendo constantes aplicações no dia
a dia arteterapêutico. Em seu texto, Fayga já nos descreve como o processo
criativo atravessa e alcança experiências de vida do criador:
Durante esse tempo [do processo criativo], nos diferentes planos do viver, talvez no trabalho profissional também, hão de ocorrer os incidentes mais variados, sucessos, fracassos, alegrias, tristezas, amor, nascimentos, mortes. Produzirão emoções e pensamentos diversos, possivelmente até contraditórios. Poderão afetar o indivíduo no cotidiano de vida ou até atingi-lo em regiões íntimas do vivenciar, nas aspirações e em sua identidade mesmo. Continuando a trabalhar, o indivíduo recolhe esses múltiplos momentos e os transforma em conteúdos psíquicos, nos conteúdos de sua experiência de vida. (OSTROWER, 73-74)
Tal vivência é tão profunda que autora chega a
caracterizar o processo criativo como uma experiência existencial (p. 69)
do criador.
Compreendemos
que todo os processos de criação... [são] onde o homem se descobre, onde ele
próprio se articula à medida que passa a identificar-se com a matéria.
São transferências simbólicas do homem à materialidade das coisas e que
novamente são transferidas para si. (OSTROWER, 53)
Naturalmente compreendemos que Fayga, teorizando o fenômeno da criação, não utiliza a expressão “transferência” com a conotação psicoterapêutica quanto à relação projetiva entre paciente e terapeuta. Entretanto, articulando a teoria da arte com a teoria específica da Arteterapia – a tríade paciente/terapeuta/material -, poderíamos extrapolar suas palavras compreendendo que ao se identificar com a matéria, o paciente poderá fazer uma projeção transferencial de seus conteúdos psíquicos à um outro objeto externo participante da relação terapêutica, para além da figura do arteterapeuta. Eis aqui uma especificidade da Arteterapia como prática, teoria e profissão.
Sobre as especificidades de cada matéria
Ateliê Arteterapêutico no Venha Conosco, 22/09/23, turma da tarde
Outra especificidade da teoria arteterapêutica se dá no estudo das linguagens e materiais em suas propriedades. Naturalmente o estudo das propedêuticas dos materiais já é existente na teoria da arte. Entretanto ao arteterapeuta cabe o aprofundamento nos benefícios, potenciais de resistência e encaminhamentos terapêuticos para que possa promover o encontro entre o paciente/cliente e o material que será mais facilitador do seu processo de autoconhecimento.
Segundo Fayga, cada materialidade apresenta possibilidades e impossibilidades que promovem “sugestões” a cada processo criativo:
Cada
materialidade abrange, de início, certas possibilidades de ação e outras tantas
impossibilidades. Se as vemos como limitadoras para o curso criador, devem ser
reconhecidas também como orientadoras, pois dentro das delimitações, através
delas, é que surgem sugestões para se prosseguir um trabalho e mesmo para se
ampliá-lo em direções novas. De fato, só na medida em que o homem admita e
respeite os determinantes da matéria com que lida como essência de um ser,
poderá o seu espírito criar asas e levantar vôo, indagar o desconhecido. (OSTROWER,
32)
Assim, a maneira como o criador age e reage diante de
cada matéria compõe a escuta arteterapêutica pois a ordenação da matéria
exterior é um espelhamento da ordem interior do criador. Como nos diz Fayga:
Trata-se
de potencialidades da matéria bem como de potencialidades nossas, pois na forma de ser dada configura-se todo um relacionamento
nosso com os meios e conosco mesmo. Por tudo isso, o imaginar - esse
experimentar imaginativamente com formas e meios - corresponde a um traduzir
na mente certas disposições que estabeleçam uma ordem maior, da matéria,
e ordem interior nossa. (OSTROWER, 34)
Considero que Fayga
colabora em muito na construção do vocabulário do arteterapeuta ao apresentar
sua proposta à um experiencador. Dentre outras expressões trazidas por Fayga,
tenho estimulado a reflexão sobre a “imaginação criativa específica” que cada
materialidade provoca no paciente/cliente:
Formulamos aqui a ideia de a imaginação criativa vincular-se à especificidade de uma matéria, de ser uma “imaginação específica” em cada campo de trabalho... Referida à atividade, a imaginação ocorreria em formas específicas porque adequadas ao caráter da matéria, nas ordenações em que a compreende a mente humana. (OSTROWER, 32)
Nunca é demais
ressaltar que a formação da “imaginação criativa” só é possível a partir da relação
e intimidade constituída com a materialidade em questão. Na Arteterapia a
criação dessa identificação com a matéria deve ser conduzida pelo arteterapeuta
dentro do tempo e da necessidade do paciente/cliente – seja este um paciente
leigo ou o que já tenha conhecimento técnico da materialidade, mas que necessita
vivenciá-la em um registro espontâneo, intuitivo e emocional:
Reiteramos
que a imaginação criativa nasce do interesse, do entusiasmo de um indivíduo
pelas possibilidades maiores de certas matérias ou certas realidades. Provém da
capacidade de se relacionar com elas... À afetividade [com a matéria]
vinculam-se sentimentos e interesses que ultrapassam qualquer tipo de
superespecialização.
... O que, portanto, se coloca aqui é que, para ser criativa, a
imaginação necessita identificar-se com a materialidade. Criará afinidade e
empatia com ela, na linguagem específica de cada fazer. (OSTROWER, 39)
Entretanto,
ratificamos nesse texto que a construção da “imaginação criativa” do
paciente/cliente com a materialidade, só poderá ser estimulada pelo
arteterapeuta que vivenciá-la primeiramente em si mesmo. O processo de conhecimento
dos materiais e desenvolvimento da criatividade deve iniciar-se antes no
arteterapeuta para que, somente depois, ele se disponha a proporcionar esse
caminho ao outro, pois:
O
único caminho aberto para nós, seria conhecer bem uma dada materialidade no
próprio fazer. Com este conhecimento e com a nossa sensibilidade tentaríamos
acompanhar analogicamente o fazer dos outros.
(OSTROWER, 35)
Agradeço aqui minhas parceiras de ateliês e cada
participante desses espaços de potência criativa. Em 2024 seguimos nosso
caminhar continuado em ateliês arteterapêuticos.
Referências Bibliográficas:
MORAES, Eliana. A importância do ateliê arteterapêutico. Blog Não Palavra.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação.
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Sobre a autora: Eliana Moraes