Por Isabel Pires - RJ
bel.antigin@gmail.com
Na minha prática clínica e pesquisa pessoal
sobre o uso do origami em Arteterapia, busco, na bibliografia e na minha observação,
os fundamentos que podem levar à escolha da dobradura de papel no setting
arteterapêutico.
Uma das peculiaridades da Arteterapia é justamente
o uso de materiais diversos e o estudo da linguagem e dos possíveis efeitos
desses materiais nos pacientes/clientes, ou seja, a linguagem subjetiva que
cada um possui. Assim, o arteterapeuta questiona-se sobre o material mais
adequado para o paciente/cliente naquele determinado momento da terapia, isto
é, qual material vai facilitar a sua expressão, observação e/ou mudança naquela
etapa terapêutica. Por isso, é preciso um amplo conhecimento da materialidade e
experimentar uma gama variada de possíveis materiais e técnicas em seu trabalho
pessoal e no setting arteterapêutico. Dentro desta perspectiva, tenho me
permitido usar o origami na minha prática clínica e procuro daí extrair-lhe os
usos, propriedades e indicações, embora quase sem apoio de uma literatura a
esse respeito. Esse texto faz parte das minhas reflexões, ainda em processo, a
partir do uso do origami na clínica arteterapêutica, na busca por construir um
arcabouço teórico que aborde hipóteses sobre os benefícios terapêuticos do
origami e que, também, valide a técnica da dobradura de papel – em si, uma arte
- na Arteterapia.
Em meio a essa busca, percebo que a costura e o
bordado apresentam semelhanças com o origami. Em primeiro lugar, o aspecto
ancestral do origami, tão antigo quanto o papel. Nos seus primórdios, o papel
era quase um tecido, feito de fibras vegetais, e os membros de uma mesma
família se reuniam para a sua fabricação. Foi neste tipo de suporte que os
primeiros trabalhos de origami surgiram, com um cunho simbólico e espiritual.
Assim, as primeiras dobraduras aparecem permeadas de carga afetiva, dentro do
seio familiar e religioso.
Em segundo lugar, no bordado, na costura e no
origami, existem regras e etapas a serem seguidas, ou seja, todos são processos
estruturados. E, assim como o bordar e o costurar, o origami também exige um
percurso gradual, que vai de um trabalho inicial de dobraduras mais simples até
às mais complexas, com resultados de incrível beleza e surpreendente realismo.
Pensando em mais características em comum entre
as técnicas de costura e bordado e a da dobradura de papel, relembro que, no
meu texto anterior (“A arte da dobradura de papel: origami e Arteterapia”), cito
a meditação, a meticulosidade, além do desenvolvimento da capacidade de
concentração e de atenção. De fato, o origami exige atenção plena e cuidado, a
cada etapa do processo, sob o risco de se ter que recomeçar a dobradura com
outro papel, como, às vezes, também acontece com o bordado.
Analogamente, segundo Philippini (2009):
(...) ao costurarmos e
bordarmos, nos colocamos na contramão das ‘correrias” urbanas (grifo da
autora). Pois, costurar e bordar nos ajuda a desacelerar, e creio que são
atividades que podem ser consideradas compatíveis com as práticas de meditação
em movimento” (PHILIPPINI, 2009, p. 65, grifo meu).
Além disso, a autora continua: “As atividades
de linha e agulha são extremamente úteis no processo arteterapêutico. Ensinam
sobre a necessidade de cuidado, gradualidade, minúcia, atenção e
concentração” (PHILIPPINI, 2009, P. 64, grifos meus). Dirá você, leitor:
“Mas ela está falando de costura e bordado!” E respondo: “Sim, mas poderia,
também, estar falando do origami”.
Nos livros que li sobre os materiais e suas
propriedades, pude perceber o quanto é possível associar o origami com o
trabalho com as linhas. Da mesma forma que a costura e o bordado representam
linhas que ganham volume, no origami, as dobras/vincos atuam como linhas no suporte
de papel. Aliás, um verbo que faz parte da arte de dobrar papel é alinhar.
Dentre as muitas propriedades e indicações do uso do origami, escolhi, no meu
texto de hoje, me debruçar sobre essa característica.
Partindo da metáfora da linha, a ideia de
limites também permeia o trabalho com origami. Na arte da dobradura de papel,
as linhas (vincos) são importantíssimas para as etapas que se seguirão,
marcando o caminho de futuras dobras ou mostrando limites de uma dobra
seguinte. Assim, nenhum vinco é em vão: serve para mostrar até onde se deverá
dobrar ou como referência para a dobra que deverá ser (re)feita numa etapa
seguinte. Por isso, podemos pensar que são como limites que apontam caminhos e
definem movimentos. Pensando em limites e definições de contorno, Moraes (2021)
nos diz:
As queixas terapêuticas recorrentes giram em torno
de invasões, transbordamentos, excessos, dificuldade de dizer não e
impor limites (a si e ao outro), dificuldade de delimitar o que pertence a um e
ao outro. Neste contexto, como palavras chave para o elemento linha,
podemos destacar: limites, contornos, bordas, fronteiras. Delinear,
circunscrever, separar, discriminar (um e outro).
Para compreensão da analogia, podemos trabalhar com
nossos pacientes que a linha simboliza seus contornos, suas bordas, aquilo
que faz o limite entre um elemento e outro, entre o que está dentro e o que
está fora. (...) A linha muitas vezes é protetora de invasões, nos resguarda e
preserva também de transbordamentos e exposições de nossos conteúdos. (...)
Em síntese, através de experimentos com a linha
podemos trabalhar a compreensão de que o limite é estruturante e também um ato
de amor, ao outro e a si mesmo (MORAES, 2021).
Em
origami, quando não respeitados os limites, a dobradura fica torta ou malfeita
e, na peça, indicam desleixo e falta de minúcia e delicadeza. Não serão esses,
elementos importantes nos relacionamentos, nos quais a falta de limites
atrapalha a relação? Como já foi dito, na dobradura de papel, as dobras/linhas marcam
até onde se pode ir e indicam a direção das dobras seguintes. Portanto, servem
de parâmetro para as etapas que se seguem. São linhas, portanto, que demarcam
fronteiras, sinalizam caminhos e facilitam o processo. Por isso, são
estruturantes, ordenadoras e organizadoras, como as linhas do bordado, da
costura e da vida.
Além
disso, segundo Moraes (2021), uma das propriedades do elemento linha é o seu
potencial para a criação de formas. No caso do origami, as dobras/linhas formam
a peça final, que não seria possível sem elas. Em Arteterapia, “dar forma
corresponde a organizar para compreender e transformar” (PHILIPPINI, 2013, P.
49). Na concepção junguiana, através da criação artística, aparecem símbolos,
que fazem a comunicação entre a consciência e o inconsciente. Conforme
Philippini (2013), essa “comunicação simbólica cria condições de estruturar,
informar e transcender”. Os símbolos aparecem na fala ou na expressão artística
e serão amplificados, posteriormente, em diferentes materialidades, e é nesse
momento que se pode usar o origami (pretendo abordar esse tema em texto
posterior). A materialização de um símbolo, emoção ou sentimento, através de
uma forma, permitirá “a compreensão, a codificação e a atribuição gradual de
significado pela consciência” (PHILIPPINI, 2013, P. 49). A partir daí, num
estágio seguinte, surgirá a possibilidade de transformação do conteúdo
acessado.
Ainda
dentro da lógica da metáfora lexical, as dobras do papel também podem nos
remeter às dobras da vida, aos vincos e rastros que se fazem ao longo do nosso
percurso existencial, com seus momentos mais difíceis e marcantes. O vinco, por
mais leve que seja, deixa marcas no papel que não poderão ser desfeitas. Analoga
e metaforicamente falando, na vida, certas atitudes ou palavras não poderão ser
revertidas e deixarão seus rastros e consequências, como marcas no corpo ou na
alma. Mas as marcas também representam a persistência, o propósito, o objetivo,
de quem seguiu em frente apesar das cicatrizes. Assim, no origami, o resultado
das dobras é uma singela, delicada e bela escultura de papel. Como exemplo
dessa persistência e perseverança, cito a fala de um paciente meu, após fazer
um avião-caça de origami: “Pedem pra dobrar pra um lado e, quando eu
vejo, minha cabeça tá mais dobrada do que a folha. (...) Mas eu amo me desafiar,
e se eu não consigo ganhar de um origami, eu vou ganhar de quem nessa vida?” (paciente
J.). Esse mesmo paciente me lembra de que dobrar, na vida, metaforicamente,
pode significar aprender, aquiescer, ganhar humildade no processo: “O misto de
sensações me leva pra um lugar de humildade. Como transformar a ira em
resultados. Eu fico com tanta raiva de tentar fazer algo que eu não consigo,
que eu vou fazer até conseguir. Daí começa a parte da Humildade. Humildade em
reconhecer que não sou bom em tudo. Humildade de aprender coisas novas e
humildade de entender que a arte não precisa de muita coisa. Uma folha de papel
e uma pessoa curiosa são o suficiente pra transformar um papel em um jato caça
m-16. O resultado é até legalzinho, mas o processo que realmente é incrível”
(paciente J.).
O processo. Em Arteterapia, o
processo importa bastante. O ato de fazer, a maneira como é feita e as reações
durante a feitura de uma criação artística falam muitas vezes mais do
paciente/cliente do que o próprio objeto criado. Sinto que, no caso da
dobradura de papel, isso conta muito a favor do uso do origami no setting
arteterapêutico. Mas esse é tema para um próximo texto.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
MORAES, Eliana. “O uso da linha
nas práticas da Arteterapia”. nao-palavra.blogspot.com. Minas Gerais, 15 de
novembro de 2021. Disponível em: https://nao-palavra.blogspot.com/search?q=linha. Acesso em: 20/03/2023.
PHILIPPINI. A. Linguagens e
materiais expressivos em Arteterapia: uso, indicações e propriedades. Rio
de Janeiro: Wak Editora, 2009.
_____________. Para entender
a Arteterapia: cartografias da coragem. 5ª ed. Rio de Janeiro: Wak Editora,
2013.
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SOBRE
A AUTORA:
·
Arteterapeuta
·
PSICÓLOGA CLÍNICA
·
ESPECIALISTA
EM PSICOLOGIA JUNGUIANA
·
PROFESSORA DE
INGLÊS E FRANCÊS
·
Formada em
Antiginástica ®Thérèse Bertherat
·
Formada em Jornalismo
·
Atendimentos individuais e em grupo (online/presencial)
·
Contatos:
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