Por Juliana Mello – RJ
“Há de se
falar, mas também entrar em contato com algo que está além do organismo
desorganizado, que é o Ser profundo dessa pessoa”. (LELOUP, 2021, pg. 28)
Muitas pessoas procuram
atendimento com queixas específicas, mas no decorrer do percurso percebem que
precisam melhorar seu autoconhecimento, desenvolvendo a capacidade de olhar
verdadeiramente para si e aprimorar seus questionamentos sobre seus sentimentos,
pensamentos e comportamentos diante das diversas situações da vida.
Desenvolver o autoconhecimento é
importante, pois nos faz repensar sobre nossos padrões de funcionamento, nossas
crenças e nos traz a opção de escolher fazer diferente, a partir do momento que
tomamos consciência de quem somos, do que queremos, gostamos. Nos traz de volta
ao nosso processo de individuação, nos possibilitando ressignificar o que nos
incomoda, limita e paralisa.
Como repertório para nossa
autoanálise, neste texto quero referenciar dois mitos Gregos, que manifestam
simbolicamente nossos padrões disfuncionais e, muitas vezes, rígidos.
“E que o tempo
seja o grande devorador até das coisas essenciais, pois a tudo devora, mas a
memória dos mitos nos preservará”. (VASQUES, 2015, pg 6)
Mito de Narciso
Da mitologia grega, Narciso era
um caçador, que fascinado pela própria beleza, desprezava todas as
pretendentes. Ele preferia viver só, pois não encontrava ninguém à altura que
pudesse corresponder ao seu amor. Uma ninfa, chamada Eco, ao ter seu amor
desprezado, procura a deusa da Vingança Nêmesis, que lança sobre ele a maldição
de que que se apaixonará, mas não será correspondido.
Ao ser atraído, pela ninfa Eco
para uma fonte, viu seu reflexo na água cristalina e ficou completamente
encantando pelo que viu. Não percebeu que a imagem era seu próprio reflexo e
não conseguindo possui-la, passou dias sem comer e nem beber admirando a imagem
na fonte, e morreu.
Mito de ECO
Também da mitologia grega, Eco
era uma ninfa da montanha, que adorava a própria voz. E como sua voz era bela,
conseguia manter uma pessoa entretida durante muito tempo.
Hera, ao desconfiar das traições de Zeus, vai em sua procura e Eco ficou com o papel de entreter a deusa, para que ele pudesse fugir. Quando Era descobre que foi enganada pela Eco, amaldiçoa a ninfa, que passa a repetir somente a última palavra de qualquer conversa, não conseguindo mais iniciar uma conversa.
Mas o que esses dois mitos têm
a ver com autoconhecimento?
“Os mitos
narram experiências que têm sido vividas repetidamente por toda história da
humanidade, retratam a grande experiência interna que é o processo de
individuação” (DINIZ, 2014, pg. 18)
Muitas vezes tentamos encontrar
respostas para nossos questionamentos pessoais externamente, nas fontes de
águas que parecem cristalinas: ficamos focados em situações, pessoas,
circunstâncias, memórias e não agimos para mudar o que está nos incomodando. Não
percebemos que as respostas estão no nosso reflexo, isto é, dentro de nós.
Em muitos casos também, não
procuramos ajuda de profissionais que podem ajudar a sair desse estado de
hipnose, que podemos identificar na TCC como a distorção cognitiva de Atenção
Seletiva, onde permanecemos no que está disfuncional. E acabamos por morrer
simbolicamente nesta situação, isto é, gastamos nossa energia psíquica e
emocional em algo que aparentemente está fora, mas que é interno, através da
crença “eu consigo sozinho”, por exemplo.
E, olhando para o reflexo no
lago, repetimos nossos padrões de comportamento, como um eco, que começam a
surgir desde a infância e vão ecoando ao longo de nossas vidas, sendo repetidos
em diversas situações e momentos diferentes. Passamos a ter os mesmos
resultados, mas ficamos tão fixos no externo ou no problema, que não reparamos
que repetirmos as mesmas atitudes e mantemos os pensamentos, não
ressignificando as nossas experiências internas e externas.
E como podemos trabalhar a
ampliação desse olhar?
Em TCC podemos identificar os
pontos fortes, os pontos a melhorar, desenvolver habilidades interpessoais,
identificar crenças e padrões de funcionamento, dentre outras coisas, para
ampliar o repertório diante do dia a dia e da vida.
E quando estamos tão fixados em
nossos lagos e nossos ecos, que não conseguimos nos perceber? Podemos trabalhar
a Arteterapia.
“Os símbolos
são parte do processo de autoconhecimento e transformação, vão aonde as
palavras não pisam, alcançam dimensões que o conhecimento racional não pode
atingir. Conectam a essência de cada ser [...], apontando o rumo que a energia
psíquica segue”. (DINIZ, 2014, pg. 13)
Com atividades lúdicas, é
possível trabalhar a percepção que a pessoa tem de si mesma, no processo de
dar-se conta do seu funcionamento, ampliando o repertório pessoal e o
fortalecimento de si, para posteriormente flexibilizar e ressignificar suas
escolhas, pensamentos, comportamento, resultando em uma maior inteligência
emocional e qualidade de vida.
Como exemplo de atividades que
podemos trabalhar essa autopercepção são o acróstico e a mancha do nome, onde,
de forma intuitiva e projetiva, é feito um autorretrato simbólico da pessoa.
Para não expor os pacientes, apresentarei
o trabalho inicial com o meu nome, em vivências arteterapêuticas pessoais, e os
conteúdos simbólicos foram feitos em atendimento por pacientes.
O primeiro acróstico foi feito através da escrita, de forma intuitiva, o segundo como colagem, através de palavras encontradas em revistas. As palavras das revistas foram recortadas conforme iam chamando a atenção do olhar, acreditando assim, na sincronicidade da vida.
A segunda atividade, a Mancha do Nome, foi
realizada em um grupo de meninas, que possuem algum comprometimento cognitivo, direcionado
por mim e pela psicóloga e arteterapeuta Sheila Leite. Aqui, não entrarei em
detalhes sobre as questões das pacientes, mas apresentarei o resultado
simbólico da atividade.
Dobramos um papel ao meio,
escrevemos o nome e recortamos seguindo o contorno da escrita, sem recortar a
parte inferior. Em seguida abrimos, e cada uma percebe a imagem que apareceu,
de forma inconsciente e significativa.
Nos trabalhos apresentados foram,
respectivamente, uma dualidade de emoções, uma porta e uma cabeça cheia de
pensamentos. Cada uma pode expressar de uma outra forma, conteúdos que as
palavras não davam conta.
Nas duas técnicas apresentadas
acima, é possível perceber que o olhar fixo para o lago e a repetição de
comportamentos. No acróstico, por exemplo, as pessoas extrovertidas (no sentido
junguiano) costumam olhar no entorno procurando palavras para completar sua
atividade. Não é raro escutar: “Não consigo encontrar nada”, e assim, peço para
respirar e buscar dentro de si. São também pessoas que buscam se encaixar no
perfil do outro, ecoando essas buscas em várias áreas de sua vida.
Na mancha do nome, peço para que
digam o que a imagem representa para si, o que significa, o que encontra. Também
não é raro o significado ser o que a pessoa pensa sobre si mas não se dá conta,
ou algum comportamento que se repete. Por exemplo, a imagem da porta foi
representada por uma pessoa que fica dentro do seu quarto, não olha para si, e
lamenta que outras pessoas não a deixam fazer nada, revelando um olhar para
fora, uma espera do outro, que precisa começar com ela mesma. Através desse
espelhamento, a paciente pôde se ressignificar ao dar-se conta de sua própria
imagem.
Bibliografia:
DINIZ, Ligia. Mitos e arquétipos
na arteterapia: rituais para alcançar o inconsciente. Rio de Janeiro: Wak
editora, 2ª edição, 2014.
LELOUP, Jean-Yves. Uma arte de
cuidar: estilo alexandrino. Petrópolis: Editora Vozes, 4ª edição, 2021.
Mito de Narciso. Disponível em: http://www.fafich.ufmg.br/~labfil/mito_filosofia_arquivos/narciso.pdf
Acesso em: 14/03/2023.
VASQUES, Marciano. O voo de Pégaso
e outros mitos gregos. São Paulo: editora Volta e Meia, 2ª edição, 2015.
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Sobre a autora: Juliana Mello
Psicóloga, Arteterapeuta e Coach
Muito bom texto! Parabéns Dra. Juliana! Amei! ❤
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