Por Silvia Quaresma - SP
As
histórias aparecem em diferentes povos, diferentes culturas. As narrativas
serviam para entreter (bobo da corte), estreitar laços de afetividade (ouvir as
façanhas do tio, o encantamento da vovó), entender situações (lições fornecidas
pelos mestres do caminho), ou até ajudar pessoas a resolveram problemas. Por
meio das histórias o individuo é atraído pelo que elas oferecem (contextos,
metáforas) e é feita uma relação inconsciente com a própria história de vida.
Apesar
de afastados dos registros nas cavernas ou impossibilitados de estar ao redor
do fogo, em rodas para ouvir histórias, basta um “Era uma vez...” para
que a curiosidade seja aguçada.
“As fogueiras e lareiras, ao redor das quais pessoas de todas as idades se reúnem em busca de conforto e calor sob os lentos movimentos do sol, da lua e das estrelas são imagens de nossos eus interiores. Temos um local gerador de calor e luz dentro de nós. Ao redor desta fonte, sentimentos, imagens e palavras se encontram. Na medida em que nos conectamos com plenitude a esse fogo interior, tudo que se move em direção a essa chama curativa, seja na forma de um amigo ou de um inimigo, será aquecido e iluminado.” (MELLON, 2006, p.23).
Em
um processo arteterapêutico, quando observada relação entre o enredo literário
e a vida do ouvinte, esta pode ser entremeada de curiosidade, desconforto, porém
mostrar-se-á curativa.
O
valor terapêutico está em aceitar que as histórias sempre fizeram parte do
cotidiano humano. Diariamente se tem algo a dizer ou informar e para tal são
usadas narrativas para explicar situações vividas ou sentidas.
“Você, como todo ser humano, é um contador inato de histórias. Você nasceu com um estoque inesgotável de temas pessoais e universais. É importante abrir-se para receber essa vasta riqueza imaginativa que vive dentro de você. Construa uma fogueira em seu interior e deixe que ela se transforme em um círculo de proteção. Dentro dela, a sabedoria do seu coração poderá arder e inflamar”. (MELLON, 2006, p.23).
Trabalhar
narrativas num contexto terapêutico é promover um movimento de reestruturação
num diálogo entre história literária e humana. Ler, reler, escrever, reescrever
são fases que obedecem a um tempo de elaboração de conflitos. A narrativa traz
enredos, consequentes tramas e dramas, superação de obstáculos, desfechos
felizes ou não. Sentimentos que surgem amor, raiva, desesperança, esperança,
vontade, e outros, colaboram para a ressignificação num processo de
individuação.
O
tempo de escuta de cada história não obedece a Chronos, não se limita ao início,
meio e fim “Viveram felizes para sempre... ou não” mas segue à
generosidade de Kairós que respeita o tempo de entremear os fios pessoais
entrelaçando-os aos das histórias para que nova trama apareça.
Quanto
aos benefícios da contação de histórias é importante estar atento ao lugar de
cada história, fazer com que ela converse com o fio condutor do processo
arteterapêutico, que promova reflexão e mudança. É preciso envolver o ouvinte
para que este tire o máximo de proveito da contação de história:
“Peça para que tudo aquilo que está concentrado no fogo dos céus, terras e mares criados por sua imaginação possa fluir com boa vontade. Permita que qualquer um que o escute receba de forma aberta o que é criado dentro das fronteiras seguras do seu mundo de histórias.” (MELLON, 2006, p.23).
Em
minha experiência como arteterapeuta tenho trazido histórias. Peço para ouvir,
conto. É um transitar pelo consciente e inconsciente. É só trazer uma “Há
muito, muito tempo atrás... num reino distante...” e começar a alinhavar os
pontos, ver aparecerem linhas imaginárias tão significativas, cheias de
símbolos. Personagens e ouvintes misturam o que sentem, pensam e agem. Incrível
como que na vida, dependendo do momento, se assume o papel de herói, de vilão,
de vítima, de algoz.
A
narrativa contribui para que você seja o protagonista da sua própria história,
cheio de erros talvez, confuso, indeciso, mas não coadjuvante.
Tenho
refletido sobre o poder das histórias no setting terapêutico e no meu instagram
@othila.arteterapia; será um prazer te receber por lá.
E
que se possa continuar escrevendo a própria história, do jeito possível,
pulando linhas, errando palavras, esquecendo expressões, ignorando títulos. Mas
que seja escrita por si e lida pelos outros... e não ao contrário.
“Uma
história é feita de muitas histórias. E nem todas posso contar..."
Cliente
em processo arteterapêutico, 2021
Bibliografia
MELLON,
Nancy. A Arte de Contar Histórias, Rio de Janeiro: Editora Rocco. 2006.
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Sobre a autora: Silvia Quaresma
Arteterapeuta
AATESP 665/0720
Graduada em Letras,
pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Moema - SP
Pós-Graduada em
Finanças, Ibmec - SP
Pós-Graduada em
Arteterapia e Criatividade – Instituto Freedom – Faculdade Vicentina em
parceria com NAPE
Professora especialista
de artesanato
Idealizadora do Projeto
Customizando Emoções –Interface entre Artesanato e Arteterapia
Idealizadora Othila
Arteterapia em ação (@othila.arteterapia)
Idealizadora do Fio que
sente (@fioquesente)
Coordenadora de Grupos
de Arteterapia em Instituição para cuidadores e voluntários
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