Carimbo
de placenta
Por Claudia Maria Orfei Abe
- São Paulo/SP
Venho pensando em todas as
vezes que li ou ouvi alguém falar o quão importante é para o arteterapeuta
vivenciar ele mesmo, a utilização de materiais para sua própria produção
plástica. Trazer sensações, emoções, percepções, enfim, o que aquele material
te move, te suscita, se te agrada, se te irrita. Afinal o que ele desperta em
você.
Dessa
forma, cabe ao arteterapeuta o estudo teórico e prático das propriedades de
cada material e linguagens da arte, pois cada uma delas possui suas “forças
próprias”. (MORAES, 2019, pág. 18)
Lembrei-me de um dos grupos
de estudos que participo, onde o tema transferência e contratransferência foi
abordado ao longo de quatro encontros além de uma palestra que assisti, todos
com a condução da arteterapeuta Eliana Moraes e obviamente on line nesses
tempos de pandemia da Covid-19. Nessa relação terapeuta-cliente/paciente, aqui
na arteterapia podemos incluir uma terceira relação que seria com os materiais.
A
partir da entrada do 3º elemento – o material – na dinâmica relacional, uma
gama de estímulos abre-se nos campos verbal e não verbal, objetivos e
subjetivos, conscientes e inconscientes. (MORAES, 2019, pág. 17)
Acredito ser impossível
vivenciar todos os tipos de materiais e isso me foi comprovado quando estava
atendendo uma cliente, on line.
Chamaremos essa cliente de
K. Iniciamos sua sessão arteterapêutica utilizando como estímulo projetivo o
conto “Amaterasu - a Deusa do Sol”, pois K expressou anteriormente o seu desejo
na busca de sua ancestralidade e este conto é de origem japonesa.
As
técnicas projetivas são todas aquelas às quais o cliente/paciente recebe um
estímulo direcionado a algum dos cinco sentidos, e a partir dele fala o que
percebe, o que sente, o que pensa. Na sensação de estar falando de algo
terceiro, o experienciador naturalmente está projetando de si e assim falando de
si mesmo. (MORAES, 2019, blog)
Após a narração do conto, K
partiu para a sua produção plástica. Ela me chamou neste momento, para dizer
que tinha o desenho da placenta dela e queria trabalhar em cima dessa imagem
utilizando a aquarela.
Quem aqui conhece o carimbo
de placenta? Pois bem, eu não conhecia, fiquei muito surpresa quando ela se
levantou para ir buscar o material, fiquei imaginando se seria algum tipo de
exame de imagem feito em hospital.
“Amaterasu dá luz a sua placenta”
Assim que ela me mostrou seu
trabalho, devido a minha curiosidade, simplesmente falei para a minha cliente: Pelamordedeus, me conta o que é isso!
Já
estava tudo planejado com as doulas para quando nascesse o meu filho. Elas
pegariam a placenta com o cordão umbilical (após o parto) e fariam os carimbos
em folhas.
E desta forma ela foi me
relatando como surgiu este material em sua vida.
Após sua produção, utilizando pincéis e tintas, cliente K se sentiu muito satisfeita por ter dado um significado ao seu carimbo de placenta. Finalizou seu trabalho dando o título: “Amaterasu dá luz à sua placenta”. Relatou que há um tempo queria fazer algo com esses carimbos da placenta, mas não sabia o que exatamente.
Com o término da sessão, fui
olhar na internet o que seria o carimbo de placenta e depois de alguns vídeos, assisti
uma equipe de enfermagem fazendo esse trabalho, colocando a placenta e o cordão
umbilical, este no formato da letra inicial do nome do bebê em questão, em uma
superfície plana. Fizeram a impressão logo em seguida onde apareceram as
manchas de sangue no papel. Em outro vídeo, colocaram tinta guache em cores
diferentes por sobre a placenta e o cordão umbilical e fizeram o carimbo destes,
com a pressão das mãos por cima da folha em branco. Lembrei-me da técnica da
monotipia.
A
monotipia é considerada uma técnica simples da gravura, consistindo na pintura
de uma imagem sobre uma superfície plana (ferro, metal, vidro, madeira, etc.),
seguida de sua impressão em uma folha de papel. (ESTEVES, 2020, pág. 22)
K fez a escolha do uso de um
material muito inusitado e totalmente desconhecido por mim, o carimbo de
placenta, durante sua sessão arteterapêutica.
Taí, aprendi mais uma !
Nota: Doula – Pessoa que auxilia uma mulher durante sua gravidez, seu
parto e após o nascimento do seu bebê, providenciando apoio físico, emocional,
além de disponibilizar informações sobre o processo de gestação.
Bibliografia
MORAES, Eliana – Pensando a Arteterapia: volume 2 / Eliana
Moraes. 1. ed. – Divino de São Lourenço, ES: Semente Editorial, 2019.
ESTEVES, Liane. Refletindo
sobre monotipias. Escritos em Arteterapia: Coletivo Não Palavra –
organização Eliana Moraes. 1.ed. Divino de São Lourenço, ES: Semente Editorial,
2020.
MORAES, Eliana. Expressões
Artísticas e as Questões Terapêuticas. Disponível em: <https://nao-palavra.blogspot.com/2019/08/expressoes-artisticas-e-as-questoes.html?fbclid=IwAR3kyY39TB3ixluLRZF12Jb5OrydAaM_-ZI1zZzPfzSJ6egVCZBJ0AvO_WE>Acesso em
24/03/2021.
Se você quiser ler meus
textos anteriores neste blog, são eles:
As Vistas do Monte Fuji – 22/03/21
É Pitanga! – 07/12/20
O que é que a Baiana tem? –
26/10/20
Escrita prá lá de criativa –
27/09/20
Fazer o Máximo com o Mínimo
– 01/06/20
Tempo de Corona Vírus, Tempo
de se Reinventar – 13/04/20
Minha Origem: Itália e Japão
– 17/02/20
Salvador Dali e “As Minhas
Gavetas Internas” - 11/11/19
“’O olhar que não se
perdeu’: diálogos arteterapêuticos entre pai e filha” – 19/08/19
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Sobre a autora: Claudia Maria Orfei Abe
Arteterapeuta – atuei em
instituição com o projeto “Cuidando do Cuidador”, para familiares e
acompanhantes dos atendidos. Atuei também em instituição de longa permanência
para idosos com o projeto “Mandalas”, sua maioria com Doença de Alzheimer.
Colaboradora em curso de formação de cuidadores de idosos, com a prática de atividades
de estimulação cognitiva aplicáveis pelos cuidadores em seus atendidos.
Autora do texto “Salvador
Dalí e as minhas gavetas internas”, publicado no livro Escritos em Arteterapia:
Coletivo Não Palavra – organizado por Eliana Moraes, pela Semente Editorial,
2020, sobre a prática arteterapêutica com idosos.
Atendo em domicílio e on
line.
Vivenciando a Arteterapia e aprendendo com nossos pacientes, coisas novas, sem medo de ser feliz,mas ao contrário, num genuíno compartilhamento de experiencias! Muito rico esse processo e Cláudia, mais uma vez, a leveza e clareza de seus textos nos impulsionam a buscar ainda mais. E quanto ao tema: muito relevante. Estava estudando semanas atrás exatamente sobre este ponto! Obrigada pelo "presente-texto"!
ResponderExcluirTexto publicado logo após o Dia das Mães - Sintonia Perfeita. Refletindo sobre o material. Placenta - material biológico 100% feminino, que na gestação nos embala, protege e tambem nós diferencia da própria MATRIZ - a mãe (movimento Yin) A técnica monotipia, a impressão o Único - do singular/do meu ORIGINAL(A força do Yang). Pensando por esta perspectiva (material e tėcnica) penso neste trabalho Arteterapeutico como uma possibilidade simbólica da INTEGRAÇÃO. Claude, Parabéns pela Ousadia de experientar novos Caminhos Desconhecidos. GRATIDÃO POR COMPARTILHAR SUAS RICAS E POTENTES AVENTURAS. Uma genuína inspiração de Alegria e Coragem
ResponderExcluirOlá, Cláudia!
ResponderExcluirExtremamente intrigante a sua postagem, realmente, também desconhecia o Carimbo de Placenta.
Antes de falar dele, quero me deter em algo extremamente importante para mim e que poucas vezes vi comentado. Em seu artigo você faz menção, através do livro Pensando a Arteterapia, do quanto cada material tem suas "FORÇAS PRÓPRIAS" . Como artista plástico profissional (e também como professor de História da Arte), sempre procurei utilizar todos os tipos de materiais que existiram ao longo da História. Cada um deles tem uma vida própria e pede uma maneira específica para ser utilizado , isso faz com que o artista enverede por caminhos que vão exigir diferentes abordagens e , consequentemente, novos desenvolvimentos. Então reforço com total propriedade o quanto cada material pode levar por veredas novas e inusitadas, é como se fosse uma pessoa que você agrega para seu próprio corpo e, juntos, vão por um caminho próprio .
Agora quero fazer algumas perguntas:
1 - O arte-terapeuta é também um artista? Ele deve se aprimorar?
2 - O arte-terapeuta deve também desenhar ou pintar enquanto o paciente também pinta ou desenha? Dessa maneira ele poderia ver também o que vem de transferência ou de simples profundidade em análise, pois a terapia é um processo conjunto, não é unilateral.
3 - Dentro da arte-terapia cabe a procura pelo desenvolvimento de seu potencial como executor de uma arte ? Ou simplesmente tem de ser o que vem, sem a procura por melhoras?
4 - Por vezes penso que o arte-terapeuta, antes de mais nada, está buscando o seu próprio lado artístico, antes de ser aquele que está ali pelo outro. Estarei certo?
Faço essas perguntas pois a minha busca é sempre por um desenvolvimento de meu potencial , ao mesmo tempo em que faço questão de me deixar livre para experimentar todo tipo de estilo. Procurar um desenvolvimento não significa ser unicamente ligado a um estilo, muito menos deixar de ser espontâneo e genuíno.
Também faço essas perguntas pois sou psicanalista e artista plástico. Em ambos procuro sempre um desenvolvimento em direção à liberdade de expressão. Em arte, ser livre não significa deixar de treinar, o aprimoramento se faz para ser livre.
O Carimbo de Placenta é algo absolutamente novo para mim. Como símbolo é uma expressão da sua capacidade de gerar, de conter, de ter contido um indivíduo para o abrigar enquanto cresce, é um símbolo de que você é capaz de algo por nascer. Como ela estava em busca de sua ancestralidade, parece-me que , com o carimbo, ela procurava nascer a partir de si mesma, ela queria ser capaz de se autogerar a partir de sua placenta e, assim, retornando a sua ancestralidade. Um movimento inverso, ela estava procurando a si mesma em sua própria placenta. Um estado de autoconhecimento.
Obrigado pelo excelente artigo.
Arthur Blade
Mais um aprendizado para nós, arteterapeutas! Obrigada por seu relato, Cláudia. Muito bom! Bjs
ResponderExcluirClaudia, vc surpreende cada vez mais, parabéns continue com a sua arte, só temos a agradecer!
ResponderExcluirParabéns Cláudia! Desconhecia totalmente! O carimbo da placenta é espectacular! Obrigada pelo seu artigo! Abraço
ResponderExcluirEmocionante saber a existência do "carimbo
ResponderExcluirDe placenta". Uma ideia extremamente amorosa e linda. Gratidão por ter lido seu
artigo. Saudades...
Claudia, Parabéns!!
ResponderExcluirAcho o carimbo de placenta, uma ideia carinhosa, amorosa que ficará eternizada quem recebe como lembrança, recordação.
Gratidão pelo seu texto. Aprofundei um pouco mais sobre o assunto. Abraços
Cecilia Massuyama