Por Juliana Mello – RJ
“Posso escrever no bloco de notas do
celular?”
Essa
é uma das perguntas que mais escuto em meus atendimentos. E é muito importante
acompanhar a evolução digital que, neste cenário atual de COVID-19, ficou ainda
mais presente no dia a dia. Trabalhos, estudos, encontros entre amigos e
familiares, todos online. Então, como fugir da comunicação digital? Não tem
como, não é mesmo?!
Porém,
a escrita ainda é o meio mais eficaz na promoção da saúde e bem-estar. Isso porque,
ao escrever, temos uma maior atenção ao conteúdo, retendo melhor os detalhes do
que está sendo escrito. O ato de escrever auxilia no desenvolvimento do
cérebro, ativando regiões responsáveis pela coordenação motora fina (uso de músculos
pequenos, como mãos e pés), memória, aprendizado, raciocínio, orientação
espacial, entre outras, através de processos cognitivos, linguístico e motores.
O cérebro é estimulado de forma visual, auditiva e/ou cognitiva (lembranças,
ideias, percepções, reflexões) produzindo palavras escritas variadas, já
conhecidas (memória de longo prazo ortográficas) ou aprendidas, armazenadas no
chamado “Léxico mental”. O cérebro também é estimulado, pois ao escrever se realiza
o processo de leitura que, de o acordo com artigo da revista Neuropsicologia
LatinoAmericana:
“tanto a escrita quanto a leitura requerem
vários mecanismos de memória de longo prazo e memória de trabalho que atuam em
letras e grafias de palavras, sendo responsáveis pela conversão entre letras e
palavras e seus sons correspondentes (conversão fonema-grafema)”.
Ainda sobre a função da escrita em
nosso cérebro, José e Camila, doutores em linguística, ressaltam:
“Nossa atividade cerebral para o manuscrito é
diferente daquela para o digital. A produção escrita manual e a visão do papel
grafado (não digitado) não podem ser consideradas atividades menores, mas
tarefas valiosas a serem incentivadas”.
Á
nível físico, Kadine, mestranda em letras, e Rosângela, doutora em letras/linguística, apontam que “ao escrever à mão, o corpo
precisa fazer um movimento específico para desenhar os traços de cada uma das
letras, os quais são diferentes de acordo com a letra que se quer escrever”.
Ao
escrever é possível perceber o movimento mais lento e colocar mais energia no
processo, podendo ampliar a percepção dos acontecimentos. É como caminhar e
observar os detalhes, o que está em volta. É sair do automático e se conectar
com o interno na busca do autoconhecimento. Digitar seria como estar dentro de
um carro: é possível observar o que está em volta, mas não é possível
contemplar os detalhes.
Em
terapia, escrever concretiza aquilo que foi pensado, trazendo para a
Consciência clareza dos pensamentos e sentimentos, permitindo insights sobre os
elementos internos, como um mergulho dentro de si. É liberdade de expressão no
caminho do autoconhecimento, não se mostrando relevante a gramática, a
ortografia, a sequência de fatos. O importante é a expressão de questões
internas. Além de auxiliar como um mapa pessoal de evolução dentro do processo
terapêutico.
A
escrita permite o contato com as emoções, bem como, com eventos traumáticos e
estressantes, permitindo uma melhor elaboração do conteúdo escrito, facilitando
seu ressignificar. Também permite que o indivíduo que não se sente confortável
em falar possa, ainda assim, elaborar seus conteúdos terapêuticos. Segundo
Leahy e colaboradores, no processo de regulação emocional, em vários
transtornos, para redução de sintomas desagradáveis,
“a expressão das emoções foi relacionada à
melhora do estresse psicológico, fazendo acreditar que escrever sobre as
emoções durante um período faz mais sentido, talvez ajudando-os a processar
melhor a experiência e a emoção”.
Em TCC, escrever nos permite sair do mundo das
ideias e materializar os pensamentos, a fim de ressignificar o que está
disfuncional, através da análise das evidências. Com a ferramenta chamada RPD
(Registro de Pensamento Disfuncional) é possível identificar padrões de
funcionamento e as consequências que estes geram no alcance de objetivos e de
bem-estar. Também é possível analisar os
prós e contras ao fazer escolhas, ampliando as possibilidades. Facilita a
visualização dos objetivos e as estratégias possíveis para alcançá-los,
verificando os resultados. Para a
psicóloga Gabriele Ribas a escrita nos permite visitar o passado e
ressignificá-lo. Viver o presente aqui e agora. E planejar o futuro,
registrando objetivos, sonhos e desejos. Como efeito terapêutico, também
pontua: “Eu escrevo para transformar meu caos em ordem”.
Em
psicologia positiva, pode ser utilizada para identificar e trabalhar as forças
pessoais. Promove, prolonga e intensifica experiencias positivas, ativando as
memórias positivas e ressignificando as desagradáveis.
Alguns
benefícios da escrita:
·
Aumenta a
capacidade de pensar;
·
Aumenta a
capacidade de concentração;
·
Favorece o
processo de aprendizagem;
·
Melhora o humor;
·
Diminui os níveis
de estresse e sintomas depressivos;
·
Potencializa o
processo de autoconhecimento;
·
Possibilita
examinar experiências a partir de vários ângulos;
·
Melhora o sistema
imunológico;
·
Melhora a memória
e o sono;
·
Favorece a
criatividade;
·
Melhora a
comunicação consigo e com o outro;
·
Fusão do
pensamento com a ação;
·
Aumenta a
capacidade de síntese de ideias;
·
É uma ferramenta
prática e acessível.
Retornando
a pergunta no início deste texto, minha resposta sempre é: “pode, mas se for
possível escreva no papel ou, assim que possível, passe as informações para
ele”.
“Às vezes escrever uma só linha basta para
salvar o próprio coração”.
(Clarice Lispector)
Bibliografia:
BENETTI, Idonézia C.; OLIVEIRA, Walter
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CARVALHO, Kadine Saraiva de; GABRIEL,
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Housepress: POR QUE O CEREBRO PREFERE
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Revista Linguística: UFRJ, Volume 10, número 1, junho de 2014.
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Vídeo assistido em curso de Psicologia Positiva.
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Disponível em: https://istoe.com.br/106164_OS+BENEFICIOS+DE+ESCREVER+A+MAO/
Acesso em: 14/02/2021.
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Sobre a autora: Juliana Mello
É preciso sim render-se ao movimento lindo do lápis deslizando sobre o papel. É a conexão com aquela criança alfabetizada lá atrás. Que texto significativo e quanta reflexão...Sejamos multiplicadores desta relação intima com a escrita. Parabéns
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirSempre tive essa preferencia pelo papel agora lendo suas dicas pra mim ficou bem mais claro muito obrigada por compartilhar seu conhecimento.
ResponderExcluirParabéns, Juliana pelo texto ! Informativo, rico em conteúdos e esclarecedor. Reafirmar a importância de "escrever à mão" atualmente é um desafio, principalmente para os mais novos, inundados pela tecnologia, criam muita resistência diante do papel. Gostei demais!
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