Por Eliana Moraes
Instagram: @naopalavra
Conversar com grandes artistas
tornou-se uma proposta bastante frequente em minha prática arteterapêutica.
Creio que este diálogo pode acessar profundas questões a serem pensadas e
trabalhadas em um setting arteterapêutico, pois se os artistas são aqueles que
têm o dom de dar forma às questões mais profundas da alma humana, suas
obras se fazem como grandes espelhos para o espectador que se propõe a dialogar
com elas.
Há pouco tempo, no
Centro Cultural Venha Conosco, Vera de Freitas e eu, oferecemos a vivência
"Conversando com Cora Coralina", a propósito do evento "Encontros de
Arteterapia" da Associação de Arteterapia do Rio de Janeiro. Na ocasião
ainda não sabíamos que dali nasceria uma proposta tão potente, que alcançaria
novos encontros. A experiência e o retorno que recebemos foram tão positivos
que decidimos dar continuidade a proposta a partir de outra artista.
Assim nasceu a
vivência "Conversando com Frida Kahlo" promovida no dia oito de
novembro. Frida, uma das artistas mais queridas e comentadas em nosso meio, e a
partir de sua vida e obra temos infindáveis inspirações e possibilidades para
práticas em Arteterapia. Mas pelo fato de estarmos caminhando para o final de
2019, decidimos propor para esta conversa a experimentação de uma das marcas da
obra da artista: os autorretratos.
Frida tinha o
hábito de pintar autorretratos. Dizia: "Pinto a mim mesma pois sou o
assunto que conheço melhor". Aliás, este era um dos motivos pelos quais
não acatava ser chamada de pintora surrealista pois defendia que o que pintava
era a sua realidade.
O hábito de pintar
autorretratos começou quando ainda acamada pelo acidente com um bonde,
seu pai montou uma estrutura com uma espécie de cavalete que possibilitava que
ela se visse em um espelho e pintasse deitada. O primeiro "Autorretrato com vestido de veludo" foi dado de presente ao seu namorado da época.
Desde então, se
buscarmos pelos autorretratos da artista, poderemos perceber que periodicamente
Frida se pintava, e cada autorretrato pode nos dar pistas sobre "quem era
a Frida" naquele momento. Os quadros possuem uma estrutura semelhante: seu
rosto no centro e em seu entorno aquilo que lhe era importante. A natureza, as
flores, os animais, a cultura e as vestimentas mexicanas, indumentárias
femininas e até Diego Rivera como um terceiro olho.
As expressões faciais
sutilmente variam dentre firmeza, leveza, tristeza mas sem dúvida um olhar de força.
Contemplar a variedade de autorretratos de Frida, definitivamente nos convida
para conversar.
Prática
arteterapêutica
Iniciamos a proposta
relembrando um pouco a história de Frida e estimulamos que as participantes
contemplassem alguns autorretratos que dispomos como cenografia no ambiente.
"Cada um desses autorretratos dão forma à Frida de seu tempo. O que vocês
podem ver nessas imagens?" E assim surgiram palavras como feminino,
masculino, beleza, natureza, autenticidade, força.
Em seguida lançamos a reflexão:
"Estamos chegando ao final de 2019 e a proposta é que você faça o seu
autorretrato deste ano. Para isso, pense quem era você quando iniciou 2019,
quais caminhos você percorreu, o que aprendeu, o que errou, o que acertou, o
que sentiu, o que viveu? Quem é você que conclui este ano que foi tão intenso
para cada um de nós e para o coletivo?"
Já tenho por
hábito lançar esta proposta a cada final de ano aos meus pacientes, pois
acredito que este é um momento valioso para autorreflexão e avaliação da
construção do caminho de cada sujeito que se pensa em um processo terapêutico.
Porém, neste encontro em específico, ficou claro que esta foi uma proposta
bastante profunda e intensa para as participantes, principalmente pela
densidade deste ano em específico.
Como material,
usamos da técnica mista, com colagem, desenho e pintura. Mas tivemos o cuidado de oferecer um molde para a base e uma silhueta do rosto, pois sabendo que
tecnicamente pintar a figura humana é uma das propostas mais desafiadoras e
consequentemente com maior potencial de resistência. A prática nos mostra que
não oferecer uma "folha em branco", mas oferecer uma silhueta em
traços, minimalistas que sejam, facilitam em muito o desbloqueio
criativo.
Assim nasceram quinze
autorretratos carregados se significados, simbolismos e histórias deste intenso
2019.
Conversar
com artistas tornou-se um riquíssimo ciclo de encontros que retomam seus
trabalhos em 2020. Até lá.
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Sobre a autora: Eliana Moraes
Arteterapeuta e Psicóloga.
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia.
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Autora do livro "Pensando a Arteterapia" CLIQUE AQUI