Eliana
Moraes (MG) RJ
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@naopalavra
Minha porta de entrada para o
estudo da História da Arte em diálogo com a Arteterapia se deu a partir do
movimento Surrealista: movimento artístico que buscava alcançar expressões do
inconsciente através de processos criativos que fugiam da razão.
Quando falamos em Surrealismo,
automaticamente nosso pensamento se dirige a Salvador Dali. Mas vale muito
reconhecer que antes dele, este movimento foi bastante potente e rico, além de
bastante inspirador para nossas práticas em Arteterapia.
André Breton, líder do
movimento surrealista era médico psiquiatra e poeta, e escreve seu manifesto em
1924. Era estudioso de Freud, que se encontrava em pleno desenvolvimento da
teoria psicanalítica, do conceito do inconsciente e o método da associação
livre.
Freud, estabeleceu a “cura
pela fala” e como parte do método catártico,
pedia que o paciente falasse, sem restrições ou censuras, tudo o que
atravessasse a sua mente, com ou sem sentido, visando alcançar seu objeto, o inconsciente.
Breton aplicou para fins artísticos o que Freud cunhou como a regra fundamental
da psicanálise: a associação livre de Freud inspirou o automatismo
surrealista.
Entretanto:
“Seria
um equívoco... pensar que em virtude de suas origens aparentes na teoria
psicanalítica, o espírito de pesquisa científica presidisse aos primeiros anos
do surrealismo. A despeito da homenagem prestada a Freud, é evidente que o uso
que eles fizeram de suas técnicas de livre associação e interpretação de sonhos
foi em muitos aspectos oposto às suas intenções... Encorajar deliberadamente os
desejos indisciplinados do homem é contrariar frontalmente a psicanálise de
Freud, que tinha por finalidade curar distúrbios mentais emocionais do homem...
Freud recusou-se certa vez a colaborar para uma antologia de sonhos organizada
por Breton, argumentando que não conseguia vislumbrar em que uma coletânea de
sonhos, sem as associações e as lembranças da infância do sonhador, poderia ter
de interesse para alguém. O que os surrealistas viam era a imaginação em seu
estado primitivo e uma expressão pura do ‘maravilhoso’.” (ADES in STANGOS,
117-118)
”
Freud e os surrealistas tinham
um interesse em comum: o inconsciente. Porém, havia uma bifurcação: Freud
possuía um interesse médico/científico. Já os surrealistas buscavam técnicas
artísticas de acesso ao inconsciente. A Arteterapia alcança uma interseção
entre os dois, pois tem o interesse em técnicas expressivas de acesso ao
inconsciente e seus efeitos terapêuticos.
O Surrealismo nos anos 20: o automatismo
Antes das pinturas
surrealistas mais conhecidas do grande público, nos anos 20 a grande
contribuição do movimento foi o processo criativo baseado no automatismo ao
qual Breton definiu no Manifesto de 1924:
“Surrealismo
– automatismo psíquico puro, por meio do qual alguém se propõe a expressar –
verbalmente, utilizando a palavra escrita, ou de qualquer outra maneira – o
verdadeiro funcionamento do pensamento, na ausência do controle exercido pela
razão, livre de qualquer preocupação estética ou moral.” (BRETON in BRADLEY,
21)
Originalmente um movimento
formado por poetas, o automatismo era inicialmente uma empreitada literária.
Somente em 1925 houve um programa surrealista para as artes visuais com
“Surrealismo e a Pintura” de Breton.
Entretanto, na imagem, o
processo automático precisou se reinventar:
“... a
natureza absoluta do automatismo surrealista: poesia, prosa e supostamente a
pintura deveriam se originar do encadeamento das primeiras palavras ou imagens
que ocorressem à mente...
Para
as artes plásticas... o veículo... era a mancha, mais
do que a palavra...
A
parafernália da pintura a óleo... tendia a dificultar a espontaneidade do
impulso... Os pintores surrealistas tiveram que buscar um outro caminho para o
maravilhoso.” (BRADLEY, 21)
Sendo assim, o caminho
encontrado pelos pintores surrealistas para a experimentação do automatismo na
imagem, se deu com as manchas e suas múltiplas possibilidades.
Alguns processos
experimentados
- Manchas de tinta (explorando
o elemento cor)
Contrariando o processo de
pintura habitual, ao qual o artista partia de uma ideia temática pré-concebida,
os surrealistas abriam-se para “borrões de tinta” aleatórios para dali
encontrarem seus temas.
“Sabe-se
que Miró trabalhou de modo similar, mas a partir de um começo ainda mais
arbitrário: diz-se que certa vez ele iniciou uma pintura ao redor de manchas de
geléia que tinham atingido a tela” (BRADLEY, 22)
- Decalque/monotipia
(explorando o elemento cor)
Os artistas também
experimentaram espalhar guache, nanquim ou tinta a óleo numa superfície lisa e
não absorvente, como o vidro. Em
seguida, o papel ou a tela eram aplicados sobre a base entintada, e ao serem
retirados, retinham a tinta colorida, criando fundos que poderiam ser
trabalhados.
- Frottage: (experimentando texturas)
Max Ernst criou um método mais
ou menos automático que posteriormente era traduzido para a pintura a óleo: ele criava um padrão para o fundo friccionando
o lápis ou o carvão no papel, posto
sobre uma superfície áspera ou irregular qualquer, como fez certa vez, sobre
uma espinha de peixe. A partir deste padrão, criou uma imagem que foi
traduzida, já de forma mais racional e técnica, para uma pintura. O artista chamava
este processo de “ver em”.
- O
desenho automático (explorando o elemento linha)
Andre Masson adotou o automatismo surrealista e deu início aos seus desenhos à pena e a tinta, logo depois do seu encontro com Breton. Seus desenhos automáticos estão entre os mais notáveis produtos do surrealismo. No processo, a pena move-se rapidamente, sem ideia consciente de um tema, traçando uma teia de linhas firmes, das quais emergem imagens que são, por vezes, aproveitadas e elaboradas, outras vezes deixadas como sugestões.
Uma
variação deste processo, ele fez com areia, ao qual o movimento da linha era
feito com a cola e posteriormente a areia era acrescentada.
Manchas:
do Surrealismo a Arteterapia
O
imenso e variado repertório de trabalhos com manchas em Arteterapia tem
sua raiz na História da Arte no Surrealismo. Com este processo trabalhamos o automatismo
em imagens. São processos indicados quando a ideia é abrir mão do racional e da
escolha consciente do tema, do processo e das imagens resultantes. Quando
rebaixamos o controle racional, manifestações e expressões inconscientes são
acessadas, e as manchas servirão como estímulos projetivos espontâneos a serem
trabalhados.
A
prática nos mostra que o processo criativo que busca expressões inconscientes
através da não racionalização, não escolha e não planejamento, abre caminho
para o surgimento de símbolos espontâneos, e por isso muito potentes quando
acolhidos e elaborados. Naturalmente faz emergir a questão do paciente (através
do fenômeno da projeção) causando muitas vezes uma surpresa por parte do autor.
Consequentemente também possui um potencial de resistência, que deve ser
acolhido pelo terapeuta.
São
interessantes também para pacientes presos à estética exterior e ao “belo
reconhecido” para que saiam do processo criativo a partir do escolhido.
Interessantes também para clientes/pacientes iniciantes da Arteterapia,
inseguros em produzir uma imagem.
Em
um próximo texto, darei seguimento ao diálogo dos artistas surrealistas com a
Arteterapia, abordando outra grande contribuição deste movimento para nossas
práticas: as imagens oníricas.
Referências Bibliográficas:
BRADLEY, Fiona. Surrealismo.
STANGOS, Nikos (org). Conceitos
de arte moderna.
_________________________________________________________________________________Sobre a autora: Eliana Moraes
Arteterapeuta e Psicóloga.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia.
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Autora do livro "Pensando a Arteterapia" CLIQUE AQUI
Sempre aproveito muito os textos imaginando a aplicação das técnicas em cada realidade e necessidade dos clientes.( Mas,... sem cliente, infelizmente)
ResponderExcluirGosto muito de suas postagens Eliana.
Minha maior frustração hoje é não realizar um trabalho efetivo como Arteterapeuta. (Resido numa cidade pequena, ainda pouco aberta e que dá pouco valor, credibilidade à Arteterapia. Acho que estou num momento de crise e conflitos talvez buscando, estudando, me cuidando e assim buscando a forma mais criativa e sensata para iniciar e chamar atenção das pessoas para tão importante cuidado. ( Só um desabafo).
Gratidão vou aproveitando!
Abraço