Por
Eliana Moraes (MG) RJ
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No
último ano estive dedicada ao estudo sobre uma artista brasileira bastante
instigante: Beatriz Milhazes. O despertar para esta artista nasceu no grupo de
estudos “Teorias da Arte e Arteterapia” ao qual temos como leitura mestra o
livro “Do espiritual na arte” de Wassily Kandinsky. Nesta obra, dentre tantos
pontos tão profundos, Kandinsky nos fala da expressão artística com alma, ao
qual o artista entrava em contato com o “belo interior”.
Ao
nos debruçarmos sobre o conceito de “belo” na arte, que está muito além da
conotação banal que dele utilizamos no sendo comum (para saber mais sobre este
tema, veja o texto “Para 2019, a fúria da beleza”), nos deparamos com Beatriz
Milhazes, considerada por alguns críticos como “o oásis do belo na arte
contemporânea”.
No
aprofundamento na vida e obra de Beatriz, nasceu em mim a sensação de que esta
artista, de fato, é um oásis na arte contemporânea e na contemporaneidade como
um todo. A pesquisa sobre possíveis inspirações (diretas ou indiretas) e
aplicabilidades de seu trabalho para a Arteterapia foi um deleite. Este estudo
foi compartilhado em alguns encontros do grupo de estudos e palestras e hoje
trago uma síntese do que (até aqui) pude ouvir deste encantador diálogo entre
Beatriz Milhazes e a Arteterapia.
Beatriz
Milhazes
Beatriz,
artista-mulher-brasileira-viva, nasceu no Rio de Janeiro, 1960. É pintora, gravadora e ilustradora. Realizou
sua formação em artes plásticas na Escola de Artes Visuais do Parque Lage no
período de 1980 a 1983. Participou das exposições que caracterizaram a Geração
80 - grupo de artistas que buscaram retomar a pintura em contraposição à
vertente conceitual dos anos de 1970.
A
partir dos anos 1990, destacou-se em mostras internacionais nos Estados Unidos
e Europa e integra acervos de importantes museus pelo mundo. É a artista
brasileira mais bem cotada no mercado exterior. O quadro “Mágico” foi
arrematado em 2009 por mais de 1 milhão de dólares em um leilão na Sotheby’s em
NY. É o maior preço pago por um quadro de artista brasileiro vivo até hoje.
Beatriz
mistura abstração, geometria, modernismo, pop art, concreto e neoconcretismo
brasileiros. Mas a cor é um elemento estrutural na obra da artista. São
cores intensas e padronagens que atraem o olhar, intensificam sensações. A
manufatura é muito importante nos trabalhos da artista, que tem por
característica a pesquisa de novas técnicas e materiais. Também faz colagens
sobrepondo camadas de cor com materiais como embalagens de bala e
chocolate, e papéis de diversas cores e texturas.
Inspirações
para a Arteterapia
“[Na tela em branco] posso
construir meu mundo... Desenvolver minhas ideias, meus conceitos...” Beatriz
Milhazes
1)
A
construção de um estilo próprio
No início de seu percurso como
artista, seu trabalho era diferente de tudo que se fazia na época, mas fiel a
si, insistiu em seu “caminho solo”.
Fazia
parte de um grupo de artistas que buscavam o resgate da pintura em
contraposição a vertente conceitual em vigor. Mas ainda assim, diferente de
seus pares, buscava uma pintura não
gestual, geométrica. Certa vez, quis incluir em sua pintura um pedaço de chitão
ou renda, o que causou grande espanto em seus professores, mas seguiu na
construção de seu caminho autoral.
Em
Arteterapia, nos inspiramos em Beatriz, quando um sujeito está em busca de si e
seu estilo. Em busca de sua singularidade e seu aprimoramento. Mas este
processo demanda um trabalho de construção e um grande investimento de energia
psíquica.
2)
Pesquisa
de técnicas e materiais
Este
percurso de construção é calcado na busca dos recursos necessários e possíveis.
E por isso o trabalho da artista tem por característica a pesquisa de novas
técnicas e materiais, fazendo com que a manufatura seja muito importante no
processo.
A
artista conta que sempre teve um olhar voltado para a colagem e que desejava
incluí-la em seu trabalho. Em meio às suas pesquisas descobriu a técnica da
tinta acrílica sobre o plástico para criação de camadas, alcançando a colagem,
mas com o intuito de permanecer no bi apesar da sensação de tridimensional.
Em
Arteterapia nos inspiramos em Beatriz em sua pesquisa e persistência na busca
de recursos e soluções no processo de construir(-se). Este percurso é
construído com tentativas, erros e acertos, rumo ao encontro de seus desejos.
3)
Construção
em camadas
Para
mim, uma das grandes riquezas do trabalho de Beatriz está no processo de
construção em camadas. Em seus trabalhos, a artista também faz colagens
sobrepondo camadas de cor, tanto com materiais como embalagens de bala e
chocolate, e papéis de diversas cores e texturas, mas também colagens com suas
próprias imagens. Sendo assim, seu processo criativo se dá em camadas, como um
passo a passo, em um mesmo trabalho.
Descobri
em Beatriz a inspiração para a permanência em uma mesma imagem ao invés de a
cada sessão arteterapêutica iniciar um trabalho novo. Afinal, o processo de
construir-se se dá com a permanência e o aprofundamento do olhar para um
cenário de vida. O convite ao paciente é para que antes de partir para algo
novo, que ele não se contente com uma
(falsa) sensação de conclusão mas possa experimentar a continuação e o
aprofundamento da imagem: “O que mais?”, “Qual é o próximo passo?”, “Como
continuar?”, “Como aprofundar?”.
Na
prática este processo pode ser feito alterando os materiais a cada reencontro
com a imagem: de uma pintura podemos propor uma segunda camada de materiais de
desenho e uma terceira camada com materiais de colagem, por exemplo. Eis um
verdadeiro caminho de construção.
Pintura
Desenho
Colagem
4)
O
tempo: lento
Naturalmente
este processo criativo de permanência do olhar demanda um demorar-se sobre a
imagem e a experiência.
Beatriz
é conhecida por ser uma artista bastante meticulosa, que dá muita atenção aos
detalhes. Tem o hábito de ficar de seis a sete horas por dia no ateliê, num
processo que ela afirma ser muito lento. A produção se mantém a mesma até
hoje: no máximo 10 telas por ano.
Em
nossa contemporaneidade tão acelerada naturalmente ficamos prejudicados quando
é necessário um aprofundamento. Beatriz nos convida ao demorar-se no processo
criativo, ao permanecermos na imagem e entrarmos em contato com sua essência. A
cada camada somos convidados a reencontrá-la, explorá-la, reinventá-la,
aprofundá-la.
5)
Preenchimento
“Por enquanto o que
mais me desafia é a possibilidade de preencher uma tela em branco.” Beatriz Milhazes
As
obras de Beatriz têm como marca os múltiplos elementos que se harmonizam de
forma bem equilibrada. Integrar muitos elementos sem que se dê um aspecto
entulhado demanda a capacidade de organização. Naturalmente esta capacidade não
é algo que alcançou com facilidade, mas demandou bastante investimento para o
desenvolvimento do método.
Em
Arteterapia, nos inspiramos em Beatriz quando buscamos o preenchimento do vazio,
mas no encontro do ponto de equilíbrio entre o vazio e o excesso. A prática nos
mostra que quanto mais exploramos o método do trabalho em camadas, mais compreendemos
a forma de composição dos elementos de maneira harmônica.
6)
Beatriz
Milhazes, palavras chave:
Tenho
por hábito buscar as palavras chave de cada técnica ou material, para que
oriente minha escuta e manejos arteterapêuticos no momento do atendimento. No
mergulho na obra e processo da artista pude destacar algumas palavras chave.
Cor.
Abstrato,
geometria.
Preenchimento,
estruturação, organização, equilíbrio, integração.
Lentidão,
demorar-se, aprofundar-se.
Mergulho,
introspecção, introversão, intuição.
Camadas,
etapas, sobreposição, crescimento, composição, construção.
Experimentação,
pesquisa, persistência, disciplina, busca de recursos, encontrar soluções.
Continuação,
explorar mais, evolução.
7)
Técnica
mista, intermediária, de interseção e integração:
O
processo criativo em camadas, principalmente ao autorizar-nos a abertura para o
tridimensional, se dá na integração de diferentes linguagens da arte: pintura,
desenho, colagem, assemblagem, escultura e outros. Sendo assim, uma técnica mista.
Os
trabalhos arteterapêuticos inspirados na obra de Beatriz, têm como propriedade a integração por ser uma técnica
de expansão e contenção, uma técnica de expressão de sentimentos através da cor
ao mesmo tempo que estruturante e organizadora. Sendo assim, acessa
simultaneamente as funções sentimento e pensamento.
8)
Estimulação
cognitiva:
A
prática com idosos mostrou que este processo criativo é bastante estimulante cognitivamente
em várias funções. Neste texto destaco o potencial do estímulo da atenção,
sendo ela um processo cognitivo pelo qual o intelecto focaliza e seleciona
estímulos, estabelecendo relação entre eles. Sua função é focar a consciência,
distinguir prioridades e estabelecer critérios de raciocínio.
Dentre
as múltiplas subdivisões da atenção, todo o processo criativo descrito acima é
rico no estímulo da atenção concentrada (quando os outros estímulos menos
importantes, passam a fazer parte do “fundo” e a capacidade de retenção de
informações relevantes) e da atenção sustentada (capacidade de focalizar
um estímulo e se manter em uma mesma atividade contínua por tempo prolongado
sem distrações).
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Sobre a autora: Eliana Moraes
Arteterapeuta e Psicóloga.
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia.
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Autora do livro "Pensando a Arteterapia" CLIQUE AQUI