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segunda-feira, 24 de junho de 2019

NO PERCURSO DE ESTUDOS SOBRE HISTÓRIA DA ARTE: reflexões sobre o filme “O sorriso de Monalisa”



Por Eliana Moraes (MG) RJ
naopalavra@gmail.com
Instagram: @naopalavra

Nos últimos tempos tenho me apropriado do percurso de estudos sobre a História da Arte e a pesquisa sobre suas aplicabilidades na Arteterapia, nos campos teórico e prático. Esta jornada é alimentada por cursos, livros, vídeos... e filmes. 

Há algumas semanas uma pessoa querida me soprou ao ouvido o nome do filme “Sorriso de Monalisa”, dizendo que ao assisti-lo se lembrou de mim (quanta honra). De fato, me identifiquei com a personagem principal, a professora de História da Arte Katherine Watson (vivida por Julia Roberts) que em meio ao seu ofício guardava o sonho de “mudar o mundo”. 

Tenho assumido o movimento de compartilhar enquanto estudo, as diversas descobertas e encantamentos que esta pesquisa me proporciona. Considero importante que o arterarapeuta se aproprie da história daquilo que carrega em seu nome: arte. O estudo de toda a linha do tempo é importante para que possamos contemplar os diversos homens ao longo da história, compreendendo que todos eles ainda existem em nós. Mas em especial, tenho direcionado meu estudo para a fatia da história do século XX até os nossos dias, período da Arte Moderna e Contemporânea. 

Considero importante este recorte por alguns motivos, dentre eles, o fato de que estes são os movimentos artísticos mais atuais, próximos de nossa cultura e maneira de enxergar o mundo. Estudando-os somos instrumentalizados para a escuta do social e do indivíduo (naquele inserido) que nos procura como terapeutas. 

Penso também que as quebras de paradigmas e as novas formas de se enxergar a arte e o mundo trazidas pela Arte Moderna, são estruturais para que a profissão da Arteterapia pudesse ser pensada e assim se tornar possível. Ao assistir “Sorriso de Monalisa” pude associar fragmentos do filme aos meus estudos e observar como pontos que de certa forma parecem pacíficos hoje em dia, nem sempre foram assim. As desconstruções conceituais que a Arte Moderna proporcionou e sustentou, não sem grande resistência, merecem nossa atenção e aprofundamento teórico. Desconstruções estas que apontam para nossa cultura atual e para a maneira de se enxergar e fazer arte ao qual nós arteterapeutas bebemos de sua fonte. 

O filme

“Sorriso de Monalisa” é um filme americano de 2003, dirigido por Mike Newell, ao qual retrata os padrões socioculturais da década de 1950. O filme conta a história de Katherine Watson, uma “boêmia da Califórnia [que] estava a caminho da mais conservadora escola do país” para lecionar a disciplina de História da Arte. Katherine tinha um tamanho desafio pela frente, até porque o que “... tinha de inteligência [era] o que lhe faltava em pedigree”.

Wellesley College, tradicional escola  feminina, investia na melhor educação para suas alunas, mas orientando-as para que se transformassem em cultas esposas e responsáveis mães.  Recebiam aulas como oratória, locução e postura. O tradicionalismo era tamanho que em determinado momento uma enfermeira do campus foi demitida por fornecer um método contraceptivo a uma aluna e assim encorajar a promiscuidade. Saindo da escola, com um alto preparo intelectual, as únicas responsabilidades das ex-alunas seriam cuidar dos maridos, filhos e casas. 



Nas primeiras cenas do filme, Katherine que viaja de trem, já demonstra seu apreço pela Arte Moderna ao contemplar um slide da clássica obra de Picasso “Les demoiselles d’Avignon”. Quando é recebida pela diretoria da escola é arguida sobre seu tema de dissertação:

- “’Picasso fará pelo século XX o que Michelangelo fez pelo Renascimento’ você diz em sua tese. Então estas telas produzidas hoje só com borrões de tinta merecem tanto nossa atenção quanto à Capela Sistina?”   

Cenas destacadas: (atenção, a partir de agora o texto conterá muitos spoilers. Caso você não goste deles, sugiro assistir o filme antes de concluir sua leitura)  

- O início das aulas:  



Para o primeiro dia de aula da disciplina “Introdução a História da Arte” Katherine havia preparado uma sequência de slides que remontava a linha do tempo das expressões artísticas desde a pré-história. Para sua surpresa as alunas sabiam citar os nomes e datas de todas as obras mostradas e assim descobriu que as alunas haviam lido todo o conteúdo programático e o decorado antes mesmo do início das aulas. 

Após um primeiro momento de frustração, Katherine é movida a buscar novos caminhos para afetar suas alunas, mostrando a elas o potencial da arte e uma visão de mundo para além dos livros e apostilas. 

No segundo dia de aula Katherine surpreende as alunas com a imagem de uma obra que não estava no programa: “Carcaça” (1924) de Soutine. 


“Ele é bom?... Vamos moças! Não há resposta errada. Não há livro texto lhes dizendo o que pensar.”

E o diálogo entre as alunas acontece:

“- Não, nem diria que é arte. É grotesco.
- E a arte não pode ser grotesca?
- Se sugere que isto é arte, o que iremos aprender?”

E assim Katherine define o programa a ser estudado:

“- O que é arte? Quando uma obra é boa ou ruim? E quem define? ‘A arte só é arte até as pessoas certas dizerem que é'. E quem são estas pessoas?”

- Contemplando Pollock 

Um momento marcante do filme é quando Katherine leva suas alunas para uma aula externa, onde ela as apresenta à uma autêntica obra de um dos mais importantes artistas americanos daquela momento: Jackson Pollock.


Diante daquela enorme tela marcada com o estilo único de Pollock, as alunas não esconderam seus rostos de estranhamento:

“- Já ia aceitando a carne com vermes como arte, agora isso...”

Katherine completamente absorvida com aquela imagem, apenas diz:

- “Façam um favor a si mesmas. Calem-se e apreciem. Não haverá nenhum ensaio sobre. Não precisam nem gostar dele. Só precisam apreciar. É a única tarefa de hoje. Quando acabarem, podem ir.”


- Sinais de resistência

Mas estes conteúdos inovadores, naturalmente não passaram desapercebidos pela direção da escola. Em determinado momento a diretora revela a Katherine que tem recebido telefonemas sobre os métodos da professora, um tanto heterodoxos para Wellesley e adverte: 

“Somos tradicionalistas... Então, se quer permanecer aqui... menos Arte Moderna.” 

- Van Gogh e a mudança de rumos na arte

Para mim, o ponto alto do filme se dá quando Katherine ensina sobre Van Gogh, mas além dos livros, mostra às alunas uma caixa como de brinquedo e fala sobre a nova forma de “arte para a massa: uma pintura com manual”.


“ - Ele pintava o que sentia. Não o que via. Ninguém entendia. Achavam infantil e tosco. Levou anos até reconhecerem sua técnica e verem como suas pinceladas faziam o céu noturno se mexer. Ainda sim, ele não vendeu nenhum quadro em vida... Agora, 60 anos depois, ele é tão famoso que todos têm cópias suas. A reprodução disponibilizou a arte para as massas. [Hoje]... ninguém precisa ter um original... eles fazem as próprias cópias.”

A caixa continha um kit para pintura a óleo e dizia:

“Agora todos podem ter um Van Gogh. É fácil. Siga as instruções e em minutos você se tornará um artista.”

Katherine segue:

“Veja o que fizemos com um homem que se recusava a conformar seus ideais ao gosto popular. E se recusava a comprometer sua integridade. Nós o encaixotamos e pedimos a vocês que o copiem. A escolha é de vocês. Podem se conformar ao que esperam de vocês ou podem ser quem vocês são.”

A beleza da cena chega ao ápice quando ao final do ano letivo, as alunas decidem “pintar seus Van Gogh’s” para presentear a professora, porém cada uma trazendo seus próprios traços, cores, estilo. Este fragmento do filme traduz o simbolismo da abertura à subjetividade na expressão artística e a possibilidades de cada um de nós nos experimentarmos como artistas em nossas expressões, aspectos tão característicos da Arte Moderna e consequentemente embasadores da Arteterapia. 


- Fechando um ciclo

Katherine é convidada pela direção a continuar na escola para o ano seguinte, porém exigiu-se o acompanhamento de todo o conteúdo curricular para que a tradição da instituição fosse mantida. Ela, por mais que desejasse essa função, não aceitou e dela abriu mão.

Katherine deixa Wellesley College, mas deixa sua marca naquela turma de moças, mostrando que não basta reproduzir o conhecimento, mas sim a capacidade de pensar, de desenvolver o senso crítico. Assim ela demonstra que o papel do professor – e da arte – é fazer o aluno pensar sobre sua época e questioná-la. 

Ao fim, ela recebe uma homenagem da aluna que mais resistiu ao que pretendia transmitir:

“Dedico meu último editorial à uma mulher extraordinária, que nos serviu de exemplo. A professora que nos incentivou a ver o mundo com novos olhos. Quando lerem este editorial, ela estará a caminho da Europa, onde sei que derrubará novas barreiras e semeará novas ideias. Ela foi taxada de fracassada por partir, uma transviada e sem rumo. Mas, nem todos que se desviam carecem de rumo. Especialmente quem procura a verdade além da tradição, além da definição, além da imagem.

Eu nunca a esquecerei.”

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Sobre a autora: Eliana Moraes



Arteterapeuta e Psicóloga. 

Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Autora do livro "Pensando a Arteterapia"  CLIQUE AQUI

segunda-feira, 17 de junho de 2019

ARTETERAPIA, DESCOBRINDO A ARTISTA VISUAL

Por Selma Lessa – RJ
slessa.rj@terra.com.br

Estou me lançando a um lugar que nunca estive, o de “escritora”. Enfim, perder o medo de fazer algo novo. Vou começar contando parte da minha trajetória na graduação na Universidade de Artes Visuais, meus medos, inseguranças, processos, desafios e como o processo em Arteterapia facilitou a autodescoberta da criação para o meu trabalho final de conclusão do curso: a Arteterapia descobriu a artista.
Eu já era arteterapeuta na época em que fiz a graduação de Artes Visuais, queria conhecer mais a arte, seus materiais, história da arte, esse universo que eu já amava. Passados mais da metade do curso já estava na hora de pensar na monografia, na exposição individual e na poética. Entrei em choque, só eu sabia o quanto era penoso fazer esse curso, pois achava eu que não tinha o “dom”, “a luz” necessária para ser artista. E agora? A universidade não tinha material, espaço, uma estrutura básica para facilitar o trabalho do futuro artista.
Com a ajuda de um amigo artista plástico, arteterapeuta e que tinha um ateliê, começamos um trabalho arteterapêutico para descobrir a artista e meu projeto individual, objetivo que deveria ser alcançado para o final do curso. Ele me ofereceu vários materiais e com medo, fui testando, criando, mesmo assim, achava que nada fazia sentido. Estes foram alguns dos primeiros e nas conversas depois dos trabalhos, fomos descobrindo formas orgânicas.


De acordo com Fayga Ostrower, criar é basicamente, formar. É dar uma forma a fenômenos que foram relacionados de modo novo e compreendidos em termos novos. (OSTROWER,1987 p.11)
As sessões de Arteterapia sempre foram um bálsamo para mim, fluindo, e aos poucos deixava surgir o que fosse pra vir e na Universidade aprendendo e experienciando a argila, fotografia, criação de fantoches, mídias digitais, pinturas e tantos outros que auxiliaram na descoberta do projeto individual e na poética pessoal.
Cerâmica

Aos poucos com os resultados dos trabalhos teórico-prático e a utilização das criações simbólicas que ali se constelava foi surgindo a poética do “vazio como processo criador”, como um lugar de possibilidades, ali estavam representados níveis profundos e inconscientes da psique.
C.G.Jung,  com sua Psicologia Analítica, referenciou e fundamentou teoricamente esse trabalho. Essas criações simbólicas, ao serem trabalhadas de forma concreta por meio do fazer artístico, propiciam estabelecer conexões e proporcionam a experiência de insights que posteriormente geram transformação e expansão da estrutura psíquica.
O Universo dominante em Arteterapia é o da sensorialidade e da materialidade: texturas, cores, formas, volumes, linhas, por isso, integrar-se e movimentar-se nesse universo requer atenção e preparo.
“A intuição caracteriza todos os processos criativos. Ao ordenar, intuímos. As opções, as comparações, as avaliações, as decisões, nós as intuímos. Intuímos as visões de coerência...” (OSTROWER, 1987 p. 68) 
Buscando na Arteterapia um lugar de possibilidades, me deparei com Picasso na frase: Antes eu desenhava como Rafael, mas precisei de toda uma existência para aprender a desenhar como criança”.
O vazio citado era a dificuldade que eu sentia em “não saber pintar”, “não saber desenhar”, diante da necessidade acadêmica em desenvolver um projeto artístico individual.
Segundo Jung,
“Com sua propensão para criar, o homem transforma inconscientemente objetos ou formas em símbolos [conferindo-lhes assim enorme importância psicológica] que lhes dá expressão, tanto na religião quanto nas artes visuais”. (JUNG, 1977, p. 232) 
O vazio na minha vida e no meu trabalho


No meu trabalho estas questões foram claramente observadas através do círculo que passei a denominá-lo de “vazio”. Esse vazio fazia parte em algum momento da minha vida e através da significação do símbolo ali plasmado foi possível perceber que esses fatos ainda estavam presentes no inconsciente e torná-lo consciente foi possível retrabalhá-lo e dar um novo significado a essa representação do vazio agora fértil.
O círculo surgiu no processo, como uma forma recorrente, presente nos vórtices, espirais, e formas afuniladas da pintura.
O círculo (ou esfera), como símbolo do self, expressa a totalidade da psique em todos os seus aspectos, incluindo o relacionamento entre o homem e a natureza.[...] ele indica sempre o mais importante aspecto da vida – sua extrema e integral totalização (JUNG, 1977).
Desse modo, por meio da Arteterapia, venci minhas dificuldades perante o “vazio”, transformando o desafio em arte, e continuando os desafios.
Ainda tem muito para contar, quem sabe numa próxima.
Obrigada.


Referências
- ANDRADE, Liomar Quinto. Terapias Expressivas. Rio de Janeiro: Editora Vetor, 2000.
- Castro, Selma Maria Lima Lessa de. Vazio: Lugar de criação, 2011 – João Pessoa -PB
- JUNG, C.G. (Carl Gustav). O homem e seus símbolos/ Carl G.Jung e M. L. Von Franz... [et AL.]; tradução de Maria Lúcia Pinho. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.
- OSTROWER, Fayga. Criatividade e processos de criação – Petrópolis Vozes 1987.
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Sobre a autora: Selma Maria Lima Lessa de Castro

Psicóloga/ Arteterapeuta/Artista visual/ Instrutora de Yoga Integral
Pós-Graduada em Arteterapia
Pós-Graduanda em Psicologia Analítica
Colaboradora e professora do Ateliê de Artes e Terapias Eveline Carrano.

segunda-feira, 10 de junho de 2019

TÉCNICAS EXPRESSIVAS E SAÚDE MENTAL: A DESCOBERTA DE TESOUROS MARAVILHOSOS


Por Patricia Serrano -  RJ
patriciaserrano.psi@yahoo.com 

“É fundamental valorizar o lado saudável do cliente, e não ficar procurando sintomas para adoentá-lo cada vez mais. Ora, se você observa com desprezo o doente mental, só enxergará tristeza, miséria, decadência. No entanto, se você for mais além e conseguir olhar o outro lado do ser, descobrirá tesouros maravilhosos, incalculáveis . . . Como eu não sou boba nem nada, decidi olhar o lado mais rico. Foi exatamente desta riqueza que nasceu o meu trabalho.”
Nise da Silveira
Tive a oportunidade de trabalhar numa unidade de saúde mental e o que no início foi um desafio, ao longo do tempo se tornou uma paixão pela possibilidade de ampliar a minha escuta clínica, estar diante de um trabalho extremamente rico e de pessoas igualmente ricas no potencial criativo mesmo no momento de adoecimento.
A colocação da Dra. Nise da Silveira me sensibiliza quando ela fala desse “olhar além” sobre a doença mental e encontrar o lado mais rico do sujeito que atravessa o sofrimento psíquico. Trata-se de um trabalho que envolve entrega e sensibilidade diante de pessoas que muitas vezes não são ouvidas e ainda são tratadas à margem da sociedade pelas dificuldades que apresentam. 
Na condição de internação psiquiátrica, mesmo que de curta duração (em média 15 dias), o sujeito se vê num primeiro momento confuso e tentando entender o sentido de estar afastado da sua vida cotidiana. O estado agudo da doença faz com que ele algumas vezes não se lembre dos acontecimentos que precederam e motivaram a internação. Diante desse cenário é imperativo proporcionar ao sujeito um espaço de escuta bem como de fala sobre as suas questões psíquicas e emocionais.
Um passo importante para a construção desse espaço de escuta e fala foi a oportunidade de realizar a oficina de grupo semanal com técnicas expressivas. Pretendo nesse texto compartilhar a experiência nesses grupos e mostrar o potencial da técnica expressiva num contexto de grande sofrimento psíquico.



O formato dos grupos
Devido ao curto tempo de internação, os grupos eram compostos de forma aberta. Então a cada semana trabalhava com pacientes novos salvo algumas exceções.
Não era estabelecido um critério específico de perfil de paciente que iria participar: todos eram convidados e estimulados a compartilhar desse momento, o que tornava a dinâmica do grupo muito rica pela heterogeneidade de pessoas e suas possibilidades de expressão bem como de troca um com o outro.



Técnicas e materiais utilizados
O trabalho era proposto de forma semi-estruturada onde inicialmente era feita uma sensibilização com o recurso da leitura de uma poesia, de um texto ou uma música o que já promovia uma abertura para ideias, reflexões e trocas entre os participantes. A partir desse momento inicial passávamos para a segunda etapa voltada para o processo criativo individual.
A criação de mandalas, por exemplo, que ao trabalhar com as formas, contornos e cores possibilita uma vivência estruturante em busca de um equilíbrio auxiliando no reestabelecimento da ordem psíquica. 



Segundo Reis (2014), a função terapêutica de desenhar mandalas está ligada à autodescoberta, pois elas registram o estado psíquico do indivíduo em diferentes momentos, representando, a partir de linhas, cores e formas, sua energia psíquica e a organização de seu mundo interno. 
Outro recurso utilizado foi a colagem com imagens de revista, recortes de palavras ou papéis coloridos.
Moraes (2018) nos fala que o processo de colagem se dá em dois tempos, riquíssimos em simbolismos, que remontam dinâmicas tão presentes na vida cotidiana: o primeiro se refere à desconstrução, fragmentação, um caminho para a abstração; o segundo, a colagem propriamente dita, se refere à (re)construção e (re)composição como um caminho possível diante dos fragmentos físicos e/ou subjetivos.
Percebendo a demanda psíquica e emocional dos participantes que em sua maioria vêm de um processo de desconstrução, desorganização e transbordamentos optei por trabalhar com esse segundo momento da colagem que proporciona a vivência de construção de uma nova possibilidade através daquilo que está fragmentado. Nesse processo é visível o quanto a colagem é um recurso estruturante e que permite “encontrar um ‘novo possível’ (as vezes ‘não belo’, não harmonioso, não equilibrado), (re)compor, ressignificar, reinventar(-se)” (Moraes, 2018). 
Durante essa segunda etapa, onde a atividade era proposta e os materiais oferecidos, observar o movimento de cada um, sedento por se expressar e ao mesmo tempo organizar seus sentimentos é um momento que exige do terapeuta um olhar atento, delicado e inteiro para que se faça presente mas sem interferir no processo de cada um. 



Após o processo criativo individual, todos eram convidados a compartilhar no grupo a sua experiência. Momento único onde surgia a beleza e a riqueza de um espaço de fala, escuta e troca de histórias, sentimentos, dores, perdas, vitórias, conquistas, lágrimas e sorrisos. Pessoas em sofrimento psíquico acolhendo umas as outras através do que cada uma produziu plasticamente sobre a sua história e o afeto gerado aquecendo o coração de todos os presentes.
Parafraseando a Dra. Nise da Silveira, “como não sou boba nem nada” optei por olhar e acolher essa riqueza coletiva que tive a oportunidade de vivenciar. Agradeço a cada uma dessas pessoas que ao compartilhar as suas dores tocaram de forma muito especial o meu coração e certamente me conduziram nessa linda estrada que é ser terapeuta.
Obs.: Não poderia deixar de registrar o meu agradecimento especial pela presença através de supervisão da arteterapeuta e psicóloga Eliana Moraes que acreditou nesse trabalho e na minha riqueza como terapeuta para realizá-lo!

 Referências Bibliográficas:

HORTA, B.C. Nise – Arqueóloga dos Mares. Rio de Janeiro: e+a edições do autor, 2008.

MOREAS, E. A colagem na prática da arteterapia: propriedades e aplicabilidades. Blog Não palavra. Rio de Janeiro, 30/04/2018. Disponível em: http://nao-palavra.blogspot.com/2018/04/a-colagem-na-pratica-da-arteterapia.html?m=1. Acesso em 04/06/2019.

REIS, A.C. Arteterapia: a arte como instrumento no trabalho do psicólogo. Revista Psicologia: Ciência e Profissão. Santa Catarina, 34 (1), 142-157, 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v34n1/v34n1a11. Acesso em 02/06/2019.
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Sobre a autora: Patrícia Serrano




Psicóloga 
Pós-graduada em Psicologia Hospitalar pela FIOCRUZ
Gestora de materiais do Não Palavra
Atendimentos clínicos individuais 

segunda-feira, 3 de junho de 2019

UM MERGULHO PESSOAL COM A COLAGEM




Vera de Freitas – RJ
verafguimaraes@gmail.com



A COLAGEM é uma técnica expressiva organizadora, sintética, integradora e estruturadora. Uma eficiente proposta arteterapêutica.

Tem como procedimento compor uma imagem, com elementos de diferentes origens, como recorte de imagens de revistas, figurativas ou não, papéis coloridos, partes de jornal e impressos, tecidos, fios etc... É a composição feita a partir do uso de materiais diversos, criando uma nova imagem.

Foi utilizada no século XX principalmente por Picasso e George Braque, fundadores do CUBISMO, primeiro movimento artístico que utiliza a COLAGEM.  Este movimento tratava as formas da natureza por meio de figuras geométricas. A representação do mundo passou a não ter nenhum compromisso com a real aparência das coisas.

Depois de muito ler, estudar e produzir, consegui enfim entender ou justificar o meu interesse, a minha preferência pela COLAGEM. Usando esta técnica para me expressar, para me ver, para me analisar e me conhecer, produzia de diversas formas. Fiz o curso e dezenas de cartões de Soul Collage ®, montei cadernos de colagem e fiz colagens de vários tamanhos. Fui fazendo, experimentando, criando e me libertando. 


Desde sempre separava e guardava imagens que me encantava de alguma forma, e assim fui criando o meu acervo de imagens prazerosamente selecionadas.

Recolocar essas imagens em uma nova produção, além de ser uma facilidade, era também um encantamento e uma descoberta de um novo sentido, um novo significado.
O efeito de unificar, de compor, de integrar, ganha um novo sentido.

Trabalhar com a COLAGEM mexe especialmente com a Função Pensamento, descrita por Jung como uma das funções de adaptação que a consciência usa para reconhecimento do mundo exterior e orientar-se. Esta função esclarece o que significam os objetos, trabalha para reconhecer as coisas como são. Julga e classifica. E tudo faz sentido para  a organização e equilíbrio psíquico, uma vez que mexe com a desconstrução, a fragmentação, a quebra, o corte, mas também mexe com o poder da escolha, o poder de decisão, com a seleção, a prioridade, a organização, o planejamento, a união e a descoberta do novo.

Para materializar um conteúdo expressivo é preciso fazer ordenações, elaborar idéias dando-lhes novas formas. Segundo Fayga Ostrower todos os processos de criação representam tentativas de estruturação, experimentação e controle. 

Assim, a COLAGEM possibilita o equilíbrio psíquico e emocional a partir da flexibilidade, da organização, de contornos e limites.

Selecionar, integrar e compor para criar o novo. O efeito da composição, da integração ganhando um novo sentido.

E falando um pouco mais sobre a minha experiência com essa técnica, sinto realmente como num caminho cheio de cores e formas, repleto de significado, como Angela Phillipini se refere ao processo arteterapêutico. 



Foi um trajeto com experiências muito interessantes para o processo de autoconhecimento, de possibilidades de transformações, e ainda de puro prazer e exercício de liberdade, promovendo organização, equilíbrio e mais saúde psíquica reverberando na vida de modo geral.

E uma das importantes transformações foi me sentir segura e autônoma o suficiente para estimular no outro o criar e o experimentar, observando os efeitos de fazer arte.

Foi com o uso da liberdade e da autonomia criativa, onde tudo se completa, se organiza e se compõe que tudo vai contar de você. Você se descobre e descobre o que estava encoberto. 

E foi fazendo, experimentando, criando, organizando, superando, observando e escrevendo que me descobri, me conheci e me reconheci.

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Sobre a autora: Vera de Freitas 


Advogada, Arteterapeuta (POMAR)
Cursando Pós Graduação em Arteterapia (POMAR)
Administradora do Instituto VENHA CONOSCO - Tijuca, RJ 
Professora de Iniciação Artística - Instituto ZECA PAGODINHO
Facilitadora do Grupo de Arte e Expressão  para adultos e Grupo de Desenho Livre.
Ateliê  de PAPEL MACHÊ