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segunda-feira, 30 de abril de 2018

A COLAGEM NA PRÁTICA DA ARTETERAPIA: PROPRIEDADES E APLICABILIDADES



Por Eliana Moraes (MG) RJ
naopalavra@gmail.com

Quando falamos em colagem, inicialmente podemos nos deparar com uma série de preconceitos, como por exemplo colocando-a como uma técnica infantilizada. Entretanto, ao estudarmos sobre a inserção da colagem na História da Arte, que se deu no início do século XX, no advento da Arte Moderna com raízes no Cubismo,  constatamos a profundidade dos simbolismos contidos nesta linguagem da arte inserida em seu contexto histórico e sociocultural. A contextualização da colagem na História da Arte faz com que o arteterapeuta se conscientize da profunda herança simbólica que ela carrega a cada oportunidade de oferece-la ao seu paciente/cliente. Neste texto não me aprofundarei neste tema, mas deixo aqui a sugestão de pesquisa e estudo. 

Outra percepção equivocada sobre a colagem se dá quando é vista como uma técnica simplória, propícia para uma fase  inicial ou primária da experiência da Arteterapia. Esta percepção se torna falaciosa, quando compreendemos que o fato da colagem ter como benefício a não complexidade durante o ato criativo, não minimiza o grande potencial que está contido em seu processo, podendo ser acessada em qualquer etapa do percurso terapêutico e explorada em diversas complexidades a medida da riqueza de materiais possíveis de serem utilizados. 

O processo da colagem se dá em dois tempos, riquíssimos em simbolismos, que remontam dinâmicas tão presentes na vida cotidiana: o primeiro se refere à desconstrução, fragmentação, um caminho para a abstração; o segundo, a colagem propriamente dita, se refere à (re)construção e (re)composição como um caminho possível diante dos fragmentos  físicos e/ou subjetivos. Colocar o paciente/cliente de Arteterapia na experiência do primeiro tempo fica a critério do arteterapeuta, tendo em vista se o sujeito necessita vivenciar o processo de desconstrução. Mas se ele já se encontra “fragmentado”, somente há sentido na vivência do segundo tempo.

A partir da prática e observação clínica, alguns aspectos sobre a colagem são importantes serem destacados:   

a)    As propriedades

A colagem é uma técnica estruturante e de controle. No diálogo com a imagem, coloca o sujeito em relação prioritariamente com a forma, em detrimento da cor. 

Todas as técnicas da Arteterapia estimulam as quatro funções psíquicas descritas por Jung, mas naturalmente em cada uma delas, uma função específica se torna protagonista. Na experiência da colagem, a função principal convidada é a Função Pensamento.

No primeiro tempo é trabalhada a desconstrução, fragmentação, quebra do estabelecido, o abrir mão: experiências que não raras vezes a vida impõe de forma avassaladora na biografia de um sujeito. Entretanto no segundo tempo, é proporcionada a experiência do controle: as linhas/traços são feitos com a tesoura; o processo envolve escolher, delinear, compor; a composição estimula a organização de múltiplos elementos, associações entre as partes, integração do fragmentado; a imagem se estrutura através dos contornos, limites, localização, circunscrição, tamanho definido.

b) O processo: verbos; ações e movimentos externos/internos

Colocar o sujeito na experiência com o material significa colocá-lo para agir sobre suas questões. Desta forma é interessante ao arteterapeuta atentar-se para os “verbos” ou as ações que cada material proporcionará externa e internamente em seu paciente/cliente.

No processo da colagem, no primeiro tempo, podemos destacar verbos como quebrar, fragmentar, cortar, desconstruir, destruir, decompor.

No segundo tempo, escolher, selecionar, priorizar, ordenar, planejar, organizar, reunir, integrar. Encontrar um “novo possível” (as vezes “não-belo”, não harmonioso, não equilibrado). (Re)compor, ressignificar, reinventar(-se).

c) Os potenciais

c.1) Perfis de pacientes/queixas, palavras chave:

O primeiro tempo é interessante ser proporcionado a sujeitos com enrijecimento de pensamentos, sentimentos, perspectivas, desejos ou construções e que a vida apresenta a necessidade de descontruir-se para reconstruir-se, ou seja a necessidade de  flexibilidade, lidar com o não controle sobre a vida.

O segundo tempo deve ser proposto para aqueles em que já houve a desconstrução, como cenários de perdas e/ou traumas (ego fragmentado). Para pacientes/clientes que apresentam desorganização, falta de equilíbrio, de contornos e limites, excessos, misturas, espalhamentos, transbordamentos de conteúdos, pensamentos, sentimentos.

Vale ressaltar que, ao contrário das ideias simplórias sobre a colagem, estas descrições se encaixam em qualquer momento de uma vida e consequentemente em qualquer estágio de um processo terapêutico.

c.2) Pouca resistência

Uma das grandes qualidades da colagem como técnica arteterapêutica se dá por não demandar grande histórico ou intimidade com o fazer artístico: os elementos já estão prontos, devem “apenas” serem selecionados e compostos. Sendo assim, ela é uma técnica propícia para os primeiros contatos com as técnicas expressivas, excelente porta de entrada para outras linguagens além da verbal, para o mundo das imagens e para o ato de criar, nas modalidades individual ou grupal.

Inicialmente trabalhos com figuras de revista se mostram as propostas mais indicadas, pois as imagens com tanto potencial projetivo estão postas para serem manejadas a partir da subjetividade de cada um. Mas a medida do aprofundamento da intimidade com o criar, abre-se ao arteterapeuta um campo para a ampliação dos materiais, como papéis de variadas cores, estampas e texturas além de tecidos e aviamentos. É possível ampliar ainda mais para utilização de qualquer material “estranho”, à inspiração de Picasso, considerado: 
“o descobridor da colagem, a qual pode ser descrita como a incorporação de qualquer material estranho à superfície do quadro... fragmentos de jornais, maços de cigarro, papéis de parede e tecidos estão relacionados com a nossa vida cotidiana; identificamo-los sem esforço e... formam parte de nossa experiência no mundo material que nos cerca...” (Golding in Stangos) 

Nesta perspectiva, cabe ao arteterapeuta fugir do senso comum e enriquecer ao máximo as possibilidades de materiais para colagens em seu atelier. É possível também estimular que o próprio paciente/cliente invista (de si) em coletar seu próprio material. Como referência na História da Arte, temos as assemblagens de Kurt Schwitters e sua Merz Art, vistas como uma espécie de coluna, quase um totem, feita de coisas encontradas ao acaso e acrescidas às outras, dia após dia. Uma composição de tudo o que por acaso caiu sob suas vistas ou esteve ao alcance da mão, chamou sua atenção por um instante, ocupou sua vida por algum momento - passagens usadas de bonde, pedaços de cartas, barbantes, rolhas, botões, etc. Com o objetivo de "criar relacionamentos entre as coisas do mundo", os elementos recolhidos e combinados que haviam sido descartados pela sociedade por não servirem mais, por terem cumprido suas funções (algumas pessoas podem se identificar com esta descrição), mas por serem "vividas", comporão o quadro, arte.
c.3) Repetição Criativa

“Repetir, repetir – até ficar diferente. Repetir é um dom do estilo.”  Manoel de Barros 

O tempo de elaboração da clínica individual é singular e caminha ao ritmo do sujeito. Sendo assim, na prática, não há necessidade de trocar de material a cada sessão, pelo contrário manter-se em diálogo com um material e uma técnica (demorar-se, algo que tem se perdido em nossa contemporaneidade), proporciona o aprofundamento das reflexões e dos movimentos externos/internos. 

A colagem em sua diversidade de possibilidades em propostas e materiais, é uma excelente técnica que proporciona por tempo estendido a oportunidade da repetição para a elaboração: não a repetição obsessiva, mas a “repetição criativa” que possibilita retificações ao longo do processo de autoconhecimento.

c.4) Estimulação cognitiva idosos/seres humanos

Um dos benefícios da Arteterapia no trabalho com idosos se dá porque de forma criativa, lúdica, leve e convidativa os pacientes/clientes estimulam as mais variadas funções cognitivas como atenção, concentração, memória, linguagem, funções executivas, praxia, abstração. A estimulação cognitiva é um imperativo da gerontologia e no processo da colagem isto se dá de forma especial, acionando diversas funções cognitivas para a resolução da composição da imagem. 

Porém, independente da faixa etária, a colagem é encaminhada para qualquer contexto em que o arteterapeuta intente estimular a busca de soluções, o reconhecimento dos recursos, a criação de estratégias e suas execuções, além de trabalhar a proatividade, pensar fora da caixa, principalmente quando explorada a pluralidade de materiais.

d) Materiais de apoio

A medida da ampliação dos materiais utilizados na colagem, inclusive caminhando para a assemblagem, o arteterapeuta deve atentar-se para dispor em seu atelier de materiais de apoio que deem sustentação para o processo criativo e o encontro de soluções por parte do sujeito. É essencial  disponibilizar bases resistentes como papelão, papel paraná, cartão kraft grosso (de cor parda), papel duplex ou triplex (de cor branca), madeira, tela... Deve dispor também de materiais para colar diferentes elementos como cola cascorez, cola quente, fita crepe, grampeador, arame, gominha, tachinha, tachinhas tipo bailarina, prego...

Vale ressaltar que a pluralidade de materiais envolvidos na colagem, em geral, envolve materiais de baixo custo ou até mesmo reaproveitamento de materiais. Este é um dado que vai ao encontro da realidade prática de arteterapeutas que possuem poucos recursos de investimentos para materiais, como por exemplo em trabalhos institucionais em que a direção não oferece recursos para manutenção do material. 

e) Herança Simbólica

“Porque a vida, a vida, a vida, a vida só é possível se reinventada.” Cecilia Meireles em Reinvenção

Na contramão de ideias preconcebidas que colocam a colagem como uma técnica simplória, o aprofundamento do estudo sobre sua história e sobre o potencial mobilizador de seu processo empodera o arteterapeuta para seu manejo no setting arteterapêutico. É importante que ele esteja seguro que o ato criativo da colagem possui uma profunda herança simbólica que remonta nos materiais movimentos de vida que demandam o (re)criar, o (re)construir e o (re)inventar, encaminhando o sujeito para uma “resiliência criativa”, as vezes imperativa para o atravessamento de uma biografia

Conclusão:

“Fracionar e rejuntar, como faz a colagem, não repõe a unidade quebrada. Ela não pasteuriza nem pacifica. Não tem vocação democrática se isto for entendido como união de todas as diferenças. Há diferenças que não cabem em determinadas formas mas cabem em outras.” Marx Ernst (Golding in Stangos)

Diante dos conteúdos citados, aos quais ainda se encontram em aberto, concluímos que a colagem se mostra  uma técnica com riquíssimas possibilidades e imenso potencial na prática da Arteterapia, cabendo ao arteterapeuta se aprofundar em seu estudo histórico e prático, além de investir em explorar sem reservas suas tantas variações em possíveis propostas, aplicáveis em todo e qualquer estágio do processo arteterapêutico.  

Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.


A Equipe Não Palavra te aguarda!

Referências Bibliográficas:

PHILIPPINI, Angela. Linguagens e Materiais Expressivos em Arteterapia: uso, indicações e propriedades 
STANGOS, Nikos (org). Conceitos da Arte Moderna

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Sobre a autora: Eliana Moraes



Arteterapeuta e Psicóloga. 


Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte. 

Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia.
Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.

segunda-feira, 23 de abril de 2018

ASSEMBLAGEM: COMPOSIÇÃO ENIGMÁTICA E POÉTICA, SINTETIZADA E PLENA DE SIGNIFICADOS



Por Cristina Costa – RJ
cristinakiu55@gmail.com 
Segundo o dicionário Priberan da língua portuguesa a palavra assemblagem se origina do francês assemblage, uma linguagem das ARTES: Colagem ou composição artística feita com materiais ou objetos diversos.
Virtude da poesia enigmática

Nas assemblages existe um forte apelo à inteligência e à sensibilidade, um universo estético, expressivo com conteúdo enigmático e poético. A técnica transforma o vazio em plenitude, o mínimo no máximo, com característica de preenchimento e ironia. A utilização da sucata dos objetos cotidianos na busca da refinada linguagem e ambíguo sentido, dotada de virtudes pelo equilíbrio da composição apurada e plena de significados.

Minha caminhada na formação em Arteterapia foi permeada por descobertas, reecontros e também serviu para dar início ao meu processo de individuação. Resgates de mim mesma estão em andamento, no que posso chamar de JORNADA PARA A PRÓPRIA INDIVIDUAÇÃO.

A ideia central das assemblages diz que os objetos díspares reunidos na obra, ainda que produzam um novo conjunto, não perdem o  sentido original. Menos que síntese, trata-se de justaposição de elementos, em que é possível identificar cada peça no interior do conjunto mais amplo. 

O termo assemblage é incorporado às artes em 1953 pelo pintor e gravador francês Jean Dubuffet (1901-1985) referindo-se a trabalhos que, segundo ele, "vão além das colagens". Assemblage é a "estética da acumulação": todo e qualquer tipo de material pode ser incorporado à obra de arte. A partir daí rompe-se definitivamente  as fronteiras entre arte e vida cotidiana; ruptura já iniciada pelo dadaísmo.






A referência de Dubuffet às colagens não é casual. Nas artes visuais, a prática de articulação de materiais diversos numa só obra leva a esse procedimento técnico específico, que incorpora-se à arte do século XX com o cubismo de Pablo Picasso (1881-1973) e Georges Braque (1882-1963).

Ao abrigar no espaço do quadro elementos retirados da realidade - pedaços de jornal, papéis de todo tipo, tecidos, madeiras, objetos etc. , a colagem liberta o artista de certas limitações da superfície. A pintura passa a ser concebida como construção sobre um suporte, o que pode dificultar o estabelecimento de fronteiras rígidas entre pintura e escultura. 

“A assemblage me escolheu”



O uso da assemblage em Arteterapia é um caminho pleno em possibilidades, ressignificando objetos temos uma infinidade de recursos criativos. Podemos através deles expressar conteúdos e montar um grande palco de emoções e contradições.

A assemblage não requer habilidades específicas nem grandes talentos. É uma técnica organizadora que auxilia na ordenação dos pensamentos, na expressão de idéias, na percepção espacial, é integradora e propicia reutilizar, reunir e integrar. 

Cada objeto produzido possibilitou contato com emoções, lembranças que serviram de narrativa da minha identidade.

Nesses materiais vi possibilidades que usei e reusei, montei e desmontei até chegar a esses símbolos, que em perguntas a mim mesma descobri o significado da meditação. Sem religião só com introspecção. Na natureza que atualmente busco diariamente contato tirei galhos, pedras, flores e observações.                                             

Muitas vezes mal consegui localizar-me diante de tudo a explorar, materiais diversos: papéis, tecidos madeiras, fitas, parafusos, arruelas, suportes e tudo que fui juntando para começar.
Nessa jornada pessoal percorrida com a Assemblage percebi algumas possibilidades de transformação através da retirada das coisas de seus devidos lugares.

Imagens podem propor de forma sintética mensagens simbólicas, emoções e afetos. Em Arteterapia, imagens representam notícias do que foi e do que “virá-a-ser”... (Philippini, Angela, 2013, capa final).

Na Arteterapia, um fator essencial para assegurar uma formação sólida, confiável e sobretudo ética, será ter sua própria experiência como sujeito de um processo terapêutico. (Philippini, Angela, 2013, p.24)

Na solidão do encontrar-se comigo mesma, vi numa citação de Paul Klee que “A arte não existe para produzir o visível, e sim para tornar visível o que está além”.

Meditação
Fui pra dentro
Contato único, contato pleno
Sinto o infinito através do tempo
Olho o vento dentro do templo
Cheiro de mato sem pensamento
Fico um tempo
Volto com expansão e ressignificação


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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ASSEMBLAGE. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/ termo325/assemblage>. Acesso em: 26 de Fev. 2017. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7

CHEVALIER, J.  e  GHEERBRANT, A.  Dicionário dos Símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 2015.

PHILIPPINI, A. Cartografias da Coragem. Coleção: Para Entender Arteterapia. 5ª Edição, Rio de Janeiro. Wak Editora, 2013.

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Sobre a autora: Cristina Costa



Cursou  6 períodos da Faculdade de Belas Artes – UFRJ, Administradora de Empresas aposentada, Arteterapeuta pela Clínica Pomar, em constante aperfeiçoamento em cursos extensivos.
Estagiou com adultos não alfabetizados, atua em parceria no atendimento a  grupo de adultos e  atualmente também com  idosos podendo ser em domicílio.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

COLAGEM: IMAGENS QUE TRANSFORMAM


Por Flávia Amancio de Oliveira – RJ 



A Arteterapia atua como processo criativo no qual, por meio de atividades expressivas e terapêuticas, os indivíduos podem trilhar um caminho de desenvolvimento pessoal.
A Colagem é uma das possibilidades apresentadas, principalmente em início de processo. Conforme Philippini, ela é capaz de promover a integração, a ordenação, a estruturação e a síntese. Dessa forma, através de imagens que nos escolhem, é possível ampliarmos a nossa capacidade de tomar decisões.
O termo colagem surgiu do verbo francês “coller”, “collage” e é definida como composição feita a partir do uso de matérias de diversas texturas, ou não, superpostas ou colocadas lado a lado, na criação de um motivo ou imagem. É uma técnica muito antiga, mas destacou-se a partir do uso pelos cubistas, exemplo disso são obras de Pablo Picasso e de Georges Braque.
Minha experiência pessoal com a colagem foi realmente transformadora. Eu estava muito insatisfeita com meus hábitos alimentares. Em seis anos, havia engordado mais de 17 quilos, a pressão arterial estava quase sempre alta e também tinha problemas de digestão e de estafa. Além das questões de saúde, havia mergulhado num mar de baixa autoestima, ansiedade e humor depressivo. Apesar de todos esses fatores, sempre apresentava várias desculpas para não iniciar um processo de mudança: “Depois dos 30 é difícil emagrecer, o organismo já não ajuda”, “já vivo sob pressão, imagina se ainda tiver de me preocupar com o que como a cada instante”, “não sou obrigada a ser sempre magra, eu me sinto bem assim”, e outras frases que encobriam os meus sentimentos reais e o meu descaso com a minha saúde.
O nutrólogo João Curvo afirma que “o hábito de comidas gordurosas, excesso de doces e de álcool minam a nossa capacidade de discernimento e de intuição”. O que nos leva a compreender o porquê desse afastamento que tive da minha própria identidade e de todos os sentimentos que permeavam a minha rotina, e “roubavam” a minha energia para buscar o autoconhecimento, ajuda e transformação. 



Porém, tudo começou a mudar em uma aula da pós-graduação na clínica Pomar, na qual a tarefa era produzir uma colagem cujo objetivo projetado já fora alcançado em nossos desejos. Desenhei um grande relógio e dentro dele colei imagens que representavam os meus anseios de mudança: alimentação saudável, exercícios físicos, meditação e sono reparador. Coloquei na porta da geladeira e, pouco a pouco, a minha estrutura mental foi se transformando.
Dia após dia, sem pressa e aprendendo a me divertir nas compras e na cozinha, fui perdendo peso. Hoje, cinco meses após esse processo que integrou meu corpo à minha alma, eu já perdi 12 quilos. E o mais importante disso: não tive mais problemas de saúde, readquiri energia para me exercitar e para meditar, recuperei autoestima, voltei a usar cores e estampas, saias e vestidos, tecidos leves para uma vida mais leve e mais próxima do meu feminino.
Segundo Jung, tensão, conflito, pressão e desgaste são sentimentos suscitados pelos desequilíbrios surgidos na psique. Quanto maiores às desigualdades de energia entre as estruturas, maiores a tensão e o conflito experimentado pelo indivíduo. Entretanto, se houver uma equiparação de energia, o sujeito conseguirá encontrar o equilíbrio.
           É possível afirmar, então, que a técnica expressiva da Colagem é valiosa, pois possibilita olhar não apenas para o nosso passado e para o nosso presente, como também olhar para o futuro e criar novos caminhos, atribuindo a essa trajetória mais significado. E, assim, encontrarmos um equilíbrio físico, mental e emocional, percebendo o nosso desenvolvimento pessoal de modo holístico.

Muitas pessoas me perguntam atualmente qual foi o remédio que tomei. E eu que no passado já fiz uso de muitas fórmulas que só estragaram minha saúde, fico muito feliz em dizer:
- O meu remédio foi e é a Arteterapia. Como estudante posso comprovar no corpo e no espírito o poder transformador da arte no processo de individuação. 

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Bibliografia:
Hall, Calvin S. e Nordby, Vernon J. Introdução à Psicologia Junguiana.
Philippini, Angela. Linguagens e Materiais Expressivos em Arteterapia: Uso, Indicações e propriedades.
Curvo, João. A Dieta do Yin do Yang para Gordos, Magros e Instáveis. 
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Sobre a autora: Flávia Amancio de Oliveira


Professora de Língua Portuguesa e Produção Textual. Formada em Letras (Literaturas) e cursa a pós – graduação em Arteterapia na Clínica Pomar desde abril de 2017.
Também faz parte do curso de extensão Universidade das Quebradas, na UFRJ.
Trabalha com oficinas de Escrita Criativa.

segunda-feira, 9 de abril de 2018

A COLAGEM: UMA REFLEXÃO SOBRE O AGIR DE COLAR


O Blog Não Palavra está de portas abertas para receber textos dos interessados em compartilhar suas experiências e estudos pela estrada da Arteterapia e temas relacionados. Abre-se um campo para sincronicidades. Fui surpreendida ao receber em sequência três textos que abordavam aspectos teóricos, práticos e vivenciais da COLAGEM. Percebi que era hora de colocar como protagonista esta técnica tão rica, e quantas vezes não conferida em seu devido valor e potência criativa. 

Sendo assim, no mês de abril o Não Palavra dedicará seu espaço à colagem em uma sequência de textos, a partir de diversos olhares, experiências e reflexões. Você leitor, também está convidado a compartilhar nos comentários suas experiências com a técnica da colagem.

Eliana Moraes

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Por Valéria Diniz – RJ
valdiniz.td@gmail.com 

Observando a palavra colagem aprendi que ela é composta por dois verbos: Colar e Agir.
Colar, transitivo direto; de unir, pregar com cola, grudar - Colar imagens.
Colar, intransitivo; ajustar-se, moldar-se - no Colar imagens.
Colar, pronominal; ligar-se, unir-se, aderir, aconchegar-se - Colar-se através imagens. 

Agir, intransitivo; de tomar providências, atuar, fazer - com a Colagem das imagens.
Agir, transitivo indireto e intransitivo; de provocar uma reação, produzir um efeito -  na Colagem das imagens.

Colagem, do fazer e executar através da cola. Da cola de pedaços, de sentimentos, de situações, do que não se expressa por palavras... mas sim, no Agir de Colar.

Colamos imagens? Sim e mais, os pedaços de nós espalhados, sem sentido, confusos...Perdidos.
Escolhemos cores, formas, tamanhas e texturas... Prioridades.
Damos forma ao caos, aos excessos, às faltas e às emoções... Um sentido.
Organizamos o espaço, a quantidade, o lugar e a vida.

O fundo escolhido, preto, branco ou colorido é a base que dá suporte e estrutura a criação.
Fundo preto pode ser sólido, seguro, sem luz. O branco pode ser o nada, a possibilidade, o vazio. As cores escolhidas refletem, naquele momento, um aspecto de nós, dentre um universo de possibilidades. 

“Eu vi laranjas alegres, verdes serenos, azuis sombrios, roxos vigorosos, vermelhos medrosos.”

As cores falam por si só e nos oferecem milhões de sensações impossíveis ao espaço desse texto. O significado é individual, único e valioso.

As imagens escolhidas, figuras, palavras, recortes de texturas variadas emergem potencializando contatos. São pedacinhos de nós. Alguns já conhecidos, outros desconhecidos e ainda outros nebulosos, enevoados. Surpreendentes. 

“E a cola???”.
A cola é a energia necessária para dar a liga, fazer os ajustes, os acertos.
Usada em excesso, com economia. Espalhada com o dedo ou um pinguinho tímido. 

“Muita cola, borro tudo, foi demais. Transbordo.
Pouca cola e tudo solta. Perco.
E nesse agir de colar sou aprendiz. Em minhas colagens fui percebendo que juntava meus pedaços espalhados em momento de caos. E o caos está aqui, lá e acolá.” 

Muitos artistas se apropriaram do caos e usaram como fonte criadora. Caos de guerras, de doenças, de horrores, de fome, de desamores, de partidas, de dores. Caos de Frida Khalo em seu corpo e coração tantas vezes partido e consertado que se transformaram em imagens potencialmente intensas e arrebatadoras. Caos da guerra, de onde emergiu a Guernica de Pablo Picasso, que poderosamente nos impacta e emudece. Caos de Henry Matisse, que impossibilitado de usar as tintas, nos presenteou com belíssimas colagens. 

“Em agir de colar eu fui aprendendo... a dar sentido, achar um jeito de funcionar. E o caos ainda segue. Está aqui, ali e acolá, mas não me impede de continuar. Minha cola foi achando a medida. As imagens foram organizadas no fundo, dei limites. Ajustei, priorizei. E, assim fazendo, com papel, figuras e cola, ensaiei, testei e fiz na vida!” 

E experimentando esse fazer na vida, faço o convite na clínica: vamos colar? Faço inspirada nas falas de meus clientes que me presenteiam com suas histórias. Histórias como a de Thay, cujas colagens ilustram esse texto. 



“Estou mesmo em busca da Forma Essencial... cercada por muitas coisas que me impedem de ser eu mesma. Estou presa em conceitos, relações e padrões limitantes... são muitas prisões.” 

E colando foi sabendo de si.


“... quando eu colei essa figura achei que era um sol com chuva... porque eu estava assim mesmo... confusa. Hoje percebi que não tem sol... o que eu achei que era sol, é ,apenas o rabo de cavalo da menina. É só uma menina brincando na chuva”

E fazendo contato consigo mesma através das imagens foi mudando e ampliando sua percepção.



“Eu não estou mais presa. Essas pessoas continuam a mesma coisa... elas não mudaram nadinha... tá todo mundo fazendo a mesma coisa. Mas eu não preciso ficar de bode expiatório...Meu mundo de ilusão ruiu... eu vejo a realidade” 

E no agir de colar foi aprendendo do seu jeito de funcionar. 


“ ... quis voltar a essa colagem porque queria dar um fechamento a ela. A forma essencial é minha, são meus conteúdos,o que tenho aqui dentro,o que eu sou.O que estou me tornando.Eu tirei as rédeas que estavam com outras pessoas..agora é tudo meu mesmo.Tudo aqui sou eu....Voltar a escrever , coisa que gosto tanto, retomar a minha tese, meu projeto..voltar a minha criação.” 

E sabendo de si com contato e consciência pode então fazer suas próprias escolhas. 

Finalizando essa reflexão, surgiu grande colagem! Usei minhas imagens, as de Frida, Picasso, Matisse e as de Thay. Peguei um pedaço de cada um, uni com a cola das palavras e te entrego com novo convite: Vamos agir de colar?

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Sobre a autora: Valéria Diniz


Psicóloga 
Gestalt terapeuta
Mestra em Saúde Mental