Por Eliana Moraes
E agora, José?
... A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?...
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?...
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,...
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?...
está sem discurso,
está sem carinho,...
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?...
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
Carlos
Drummond de Andrade
Ao ler o texto “O
ato criativo e a imagem” de Maria Cristina Resende (texto anterior deste
blog) minhas reflexões foram instigadas por este ensaio de construção teórica
para a arteterapia. Senti-me motivada a escrever sobre algumas articulações que
já passeavam por meus pensamentos, em um diálogo entre poesia e clínica.
Há algum tempo a leitura da poesia vem me tocado. Tenho
me debruçado sobre ela e articulado as palavras dos poetas com a clínica, pois
ao meu ver, poetas são por definição artistas – seres sensíveis às questões
mais profundas da alma – que possuem alguma intimidade singular com as
palavras, nos aproximando um pouco mais daquilo que experimentamos como “não
palavras”.
A
poesia de Drummond me impacta quando retrata aquele momento de crise fatalmente
conhecida por nós: “E agora?”. Drummond retrata este momento como algo tão
humano, que escolhe para o personagem o nome José, um dos nomes mais comuns de
nossa cultura, nos convidando a pensar no José que há em cada um de nós e que
sua crise nos pertence.
Em geral, clientes/pacientes que procuram por um terapeuta
se encontram em crise, das mais variadas ordens e potências, e após relatarem
sua queixa (verbalmente ou não), se perguntam sob o olhar do terapeuta: “E
agora?”. Nas palavras de Maria Cristina:
É
a crise, que vem do grego Krísis, cujo significado é separação,
avaliação, e no latim era usado na medicina antiga se referindo ao momento
decisivo da doença, onde haveria um desfecho, a cura ou a morte. É o turning
point, o momento em que se percebe que é preciso acontecer algo, onde “cada decisão que se toma representa assim um
ponto de partida, num processo de transformação que está sempre recriando o
impulso que o criou”, Fayga completa dizendo que “a cada decisão algo é deixado para trás e a
possibilidade de algo novo permanece latente, à espera de sua objetivação” (OSTROWER,
2014. p. 27).
Neste
contexto, no processo terapêutico a crise se apresenta como um momento crucial
em que há um convite para uma decisão (“E agora?”) e uma bifurcação: um
movimento para o adoecimento ou um movimento para a saúde.
Na poesia,
ao relatar tudo que acabou, tudo que passou, Drummond retrata com maestria o
impacto avassalador da sensação de vazio causada pela crise. Este é o momento
do caos, que muitos clientes/pacientes tomados por sua potência, ainda não
conseguem construir vocabulário para o descrever (há como descrever?). Maria Cristina:
Nesse intervalo, quase imperceptível, habita o caos, cuja
etimologia vem do grego Khaos, o abismo, o vasto, ou seja, é
o nada que antecede o tudo. É o momento onde mais nada existe, onde nada cabe
nos lugares conhecidos, onde nada mais é conhecido.
Mas
dois trechos que muito me chamaram a atenção quando me debrucei sobre este
poema, versos que pouco são citados quando fazemos referência ao clássico “E
agora José?” são:
Mas você não morre,
você é duro, José!
você é duro, José!
...
você marcha, José!
José, para onde?
José, para onde?
Para a
clínica da arteterapia este é justamente o ponto de tensão propício para a
criação. O ato criativo se apresenta como o movimento para a saída do ponto
zero, um movimento para a vida, que manifesta o desejo daquele sujeito em
permanecer marchando. A escolha de cada material, de cada ação sobre ele
manifestando-se em ato criativo, colocam o cliente/paciente no lugar de autor
de sua obra. A beleza deste ritual se dá pelo fato de que ele se configura um
ensaio para movimentos que este sujeito fará em sua vida. Ele marcha.
Para onde?
Ao iniciar e manter sua marcha, somente aquele sujeito poderá reconhecer,
nomear e se apoderar do destino de sua marcha, que não é solitária, pois para
enfrentar este processo doloroso, contará com a confiança (transferência) da
companhia de seu terapeuta.
Nossa
prática como arteterapeutas nos mostra que a arteterapia atua como força, como
potência, e é neste contexto que corroboro com o pensamento de Maria Cristina:
Criar, na Arteterapia, é
mais que fazer uma obra que respeite alguma regra estética; criar é dar vida às
forças psíquicas que precisam ser olhadas e trabalhadas com muita atenção e uma
escuta refinada, um olhar atento às curvas, retas, cores, texturas e formas
dadas a elas.
Porque o ato criativo
dentro do setting arteterapêutico é a manifestação da própria existência.
Gostei muito do texto.Vale a pena ser lido.
ResponderExcluirGostei muito do texto.Vale a pena ser lido.
ResponderExcluirGostei muito da comparação das etapas sugeridas no poema com as etapas percebidas num processo clínico/ arteterapia. Fase de perda e dúvida total, posterior conscientização e motivação e tomada de decisão e ações.
ResponderExcluirMuito bem pontuado pela autora.
Muito interessante a analogia que faz com o poema e a Arteterapia. Parabens!
ResponderExcluirMuito interessante a analogia que faz com o poema e a Arteterapia. Parabens!
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