Por Juliana Mello – RJ
Na minha formação em Arteterapia,
conheci o conto “A habilidade que ninguém possui”, que me fez refletir sobre
como fazemos escolhas em nossa jornada de autoconhecimento e que nos
autorresponsabilizar por esse processo é fundamental para alcançarmos nossos
objetivos de maneira consciente.
Todos nós buscamos, de alguma maneira,
encontrar um propósito pessoal, uma maneira mais leve e funcional de viver a
vida. Porém, como a fazemos de modo automático, esquecemos de confiar em quem
somos e em nosso poder de escolha.
Fazer escolhas não é nada fácil e gera
forte angústia. Como já dizia Sartre: “quando escolhemos algo, inevitavelmente
deixamos algo para trás”. E é difícil saber se estamos fazendo a escolha mais
acertada, mas é importante lembrar que não escolher e deixar que outros escolham
também é uma escolha. Então qual a melhor opção? Para refletir, cito Clóvis de
Barros Filho e Pedro Calabrez no livro Em busca de nós mesmos:
“Todos
nós temos uma experiência subjetiva de mundo. Subjetivo: aquilo que é próprio ao
sujeito, relativo ao indivíduo, ou seja, aquilo que é individual e particular”.
(FILHO, CALABREZ, 2014, p.21)
Se cada um tem uma percepção de mundo de
acordo com suas memórias, sentimentos, emoções, percepções sensoriais, então
como não olhar para si e fazer escolhas autorresponsáveis? A
autorresponsabilidade é uma característica importante para a caminhada do autoconhecimento.
Quando olhamos para nós e entendemos qual nosso padrão de funcionamento e que
somos os únicos capazes de fazer algo em relação a isso, passamos a estar mais
presentes em nosso processo e fazemos escolhas mais conscientes em qualquer situação,
melhorando a autoestima, flexibilizando crenças e nos tornando heróis de nós
mesmos. Clóvis de Barros Filho e Pedro Calabrez também escreveram: “o mundo
para mim não é o mesmo mundo para você.” (2014, p.15).
No conto, o personagem Anwar tem um
objetivo e conta, inicialmente, com sua mãe para realizá-lo. Com duas
tentativas frustradas, ele percebe que tem duas opções: desistir ou se
responsabilizar pelo seu próprio desejo e partir em uma jornada para conquistá-lo.
Ele aceita a tarefa, mesmo sem saber o que encontraria pelo caminho. Neste
ponto, podemos citar a Jornada do Herói, de Joseph Campbell, onde ele descreve
os passos que o herói precisa enfrentar para se transformar e mudar de nível de
autoconhecimento. Muitas vezes somos chamados para essa jornada através de uma
crise, um desconforto, que gera uma angústia, onde cada um deverá decidir se
irá trilhar esta jornada ou não, autorresponsabilizar-se pelo processo e por
suas consequências.
“... Mas,
antes de experimentar qualquer coisa desse gênero, decidi não só ficar
razoavelmente perto de casa como também tornar-me uma pessoa importante...”
(Trecho retirado do conto)
A partir de uma decisão, a
sincronicidade nos auxilia nesse percurso e encontramos pessoas e situações que
nos darão ferramentas para nos fortalecer e caminharmos por dentro de nós
mesmos. Ao decidir iniciar sua jornada, Anwar encontra o Dervixe, um velho
sábio, que o auxiliou com ensinamentos para que pudesse completar sua jornada.
Como
podemos ter auxílio na Terapia Cognitivo-Comportamental:
Podemos utilizar a ferramenta RPD
(Registro de Pensamento Disfuncional), onde identificamos nossos pensamentos,
sentimentos e comportamentos, nos permitindo ter uma visão mais clara do nosso
padrão de funcionamento e nossas crenças disfuncionais, conseguindo flexibilizá-los
para alcançar os objetivos.
Outra estratégia é enumerar os prós e os
contras de cada uma das opções que temos antes de fazer a escolha. Assim,
podemos prever acontecimentos futuros e criar estratégias para as resoluções de
possíveis conflitos.
Ao longo do percurso, é possível também
reavaliar as escolhas feitas, para assim repensar se algo precisa ser mudado,
ajustado ou continuado. Monitoramos nossos processos cognitivos e
comportamentais. Um bom termômetro nesse processo são nossas emoções e reações
fisiológicas.
Assim como nos contos, em que o
personagem central encontra um auxílio de uma outra pessoa, o terapeuta TCC
também participa de forma ativa no processo terapêutico:
“...o
terapeuta e o paciente formam um relacionamento de cooperação com a finalidade
de solucionar um problema. O papel inicial de um terapeuta de TCC costuma ser
bastante ativo, enquanto ensina ao paciente os princípios que fundamentam essa
abordagem de tratamento.” (HOFMANN, 2014, p 17)
A Arteterapia nos convida para escolher,
elaborar e criar, manifestando nosso potencial de responsabilidade e os
materiais nos auxiliam no movimento que decidimos fazer. Como cita Alexandra
Duchastel em seu livro Caminho do Imaginário: “A experiência de criação e o
simbólico de nossas imagens íntimas nutrem uma transformação na profundeza
da alma e lhe fazem eco.” (2010, p. 11). A autora ressalta que através da arte
é possível favorecer o sujeito em sua autonomia e o gerenciamento de si mesmo, pois
ele entra em contato com sua sabedoria interior. Também podemos encontrar em
seu livro o chamado para essa jornada: “pois no coração de cada crise reside
um apelo gritante à vida e um convite a ousar expressar o que quer ser dito.” (2010,
p11). Cabe a cada um a responsabilidade de decidir aceitar este convite de
transformação.
Em seu livro Pensando a Arteterapia,
Eliana Moraes também fala sobre responsabilidade e escolhas do sujeito durante
o processo criativo:
“Que,
através da criação, ele se perceba em suas repetições, resistências, sintomas,
e tenha a oportunidade de enfrentá-las. Que em meio a essa experiencia tome
decisões sobre esse enfrentamento (ou não) e que assim se responsabilize por si
como autor e protagonista da sua obra/história, alcançando uma realidade nova
em dimensões novas.” (MORAES, 2018, p.76-77)
Como exemplo, trago parte do processo de uma paciente de 35 anos. Em nossas sessões, entrego a ela uma folha em branco e ela decide o que irá produzir. Conversamos durante o processo e observamos o que vai surgindo. Estou junto com ela, mas a escolha é dela.
Concluo essa reflexão com uma citação de Fayga:
“No
trabalho o homem intui. Age, transforma, configura, intuindo... Ao criar...
nesse processo configurador o indivíduo se vê diante de encruzilhadas. A
todo instante, ele terá que se perguntar: sim ou não, falta algo, sigo, paro...
Nessa mobilização está inserido um senso de responsabilidade. As opções
se propõem quase que em termos de princípios de ‘certo ou errado’ e, no caso
das artes, o quanto custa decidir uma pincelada, a exata tonalidade de uma cor,
o peso de uma palavra, uma nota certa, todo artista bem o sabe dentro de si.” (OSTROWER,
2014, p.70-71)
Bibliografia:
DUCHASTEL, Alexandra. O caminho do imaginário: o processo
de arte-terapia. São Paulo: Paulus, 2010.
FILHO, Clóvis de Barros. CALABREZ, Pedro. Em busca de nós
mesmos. Porto Alegre: CDG, 2017.
HOFMANN, Stefan G. Introdução à Terapia
Cognitivo-Comportamental Contemporânea. Porto Alegre: Artmed, 2014.
MORAES, Eliana. Pensando a Arteterapia. 1ª Edição. Divino de São
Lourenço, MG: Semente Editorial, 2018.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação.
Petrópolis: Vozes, 2014.
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Sobre a autora: Juliana Mello
Psicóloga, Arteterapeuta e Coach