Por Maria Cristina de Resende
crisilha@hotmail.com
Dando continuidade a
sequencia de observações da clínica da Arteterapia, hoje trago a contribuição
sobre o elemento terra e seu contraponto, o ar.
Dentro da Medicina Ayurveda,
tudo na natureza é criado a partir dos 5 elementos, que por sua vez se originam
do primeiro elemento primordial, o éter, que fora tema do último texto aqui
publicado.
“A
base metafísica do Ayurveda está na filosofia Samkhya, que compreende a criação
do universo como uma progressão dos cinco elementos a partir da energia que
flui da consciência cósmica. Segundo esta teoria, deste estado de consciência
surgiu o som silencioso aum e, através de sua vibração, tornou-se possível o
aparecimento do elemento éter. A movimentação do elemento etéreo deu origem ao
ar, que é visto como o éter em atividade. Esta ação produziu uma fricção, de
onde foi gerado calor e de onde se manifestou o elemento fogo. O calor foi
responsável pela dissolução e liquidificação de certos elementos etéreos,
fazendo surgir a água que, ao se solidificar, permitiu que ocorresse a formação
das moléculas da terra. Esta, serviu de base para a constituição de toda
matéria contida no universo.”
Sendo assim, pulamos do
primeiro elemento criado pela consciência cósmica, para o ultimo, a terra. Este
elemento traz em si a força e a coesão da rocha, o coágulo máximo da terra, ela
estrutura, sustenta e dá forma aos outros elementos, o rio não teria direção se
não fosse seu leito, feito de terra, nem tampouco conseguiríamos bebê-la em um
copo, que é feito de terra. Não levemos ao pé da letra que o elemento terra
esteja apenas manifesto em coisas que possuem de fato terra, mas ele estará presente
em tudo aquilo que é pesado, frio, denso, estruturante e coeso.
Se levarmos esses atributos
ao plano mental chegamos perto de um Arquétipo muito conhecido, o Velho, ou o Senex. Dentro da sizígia Puer et Senex, o Senex é a força psíquica estruturante, que dá coesão e forma, assim
como rege as regras, as condutas e as normas sociais, da moral e do caráter. O Puer, por sua vez, é aquele que move,
que impulsiona, que é curioso, que instiga, que experimenta, que sonha, é ar e
pode ser fogo também.
Dentro da Roda da Medicina
Nativa, as quatro direções são também regidas pelos elementos e cada um também
possui a regência de um arquétipo, ou força psíquica. Quando o Sol nasce ele
está no Leste, é o primeiro sopro, o nascer da vida, do dia, do espírito, é
quando o ar entra nos pulmões da criança pela primeira vez, é quando as flores
desabrocham na primavera, é ar, é a Criança Divina. Ao meio-dia ele está no seu
auge da luminosidade e calor, é fogo, é a juventude, a ação, a curiosidade, a
busca e a experimentação, é a transformação, é fogo e o Herói. Ambos desdobramentos
do arquétipo do Puer. No pôr do Sol ele esta no Oeste, é a maturidade, o
entardecer, a construção, a auto-obervação e a estruturação da vida. À meia-noite
ele está no Norte, é a velhice, a solitude, a sabedoria, o desapego e a cura
das emoções, as águas sendo purificadas, é o Velho Sábio, ambos também
desdobramentos do Senex.
Podemos observar que ambos
caminham juntos, sonhando e tornando o sonho concreto, experimentando novidades
e usando-as no aprendizado com sabedoria. Dissolvendo e coagulando, Solve et coagula, já dizia a frase
alquímica.
O problema se dá quando
apenas um deles está manifesto, está potente e atuante. Para observarmos tal
questão apresento brevemente um caso onde podemos observar que o excesso de
Puer torna o Senex sem força para a estruturação. Um jovem rapaz muito sonhador
com clássicos problemas da juventude atual, dificuldade de concentração, pouco
estimulado para o mundo, vivendo apenas no núcleo familiar, no seu vídeo-game e
nas fantasias que alimenta em sua mente, um típico Puer desequilibrado, ou
seja, o eterno filho da mamãe.
Muitos trabalhos plásticos foram
realizados até chegarmos na argila, muitas observações foram sendo feitas,
coordenação motora, criatividade, busca por materiais diferentes, impulso
criativo ou preguiça criativa e após avaliar que ele entrara num período de
estagnação após alguns movimentos conquistados sugeri trabalharmos com a argila
após contá-lo sobre o mito de criação grego envolvendo o movimento de Urano em exigir
que Gaia engula seus filhos, dinâmica repetida por Kronos e interrompida por
Zeus (ver artigo sobre Mito de Criação). Após a contação do mito pedi que ele
observasse o que dele estava sendo engolido e como estava a sua própria
dinâmica de criação. Após a reflexão, que tentasse então, dar formas a esse
sentimento através da argila.
Assim foi feito, mas a forma
dada foi a própria história de Urano exigindo que Gaia engolisse seus filhos,
mostrando que a dinâmica psíquica de seus desejos pode ainda estar na era dos
Titâs, ou seja, muito inconsciente e com pouca força para se tornar consciente.
Esta é Gaia engolindo seus filhos a mando de Urano, a imagem já está seca e caída, pois as pernas não sustentaram o peso da escultura e não forma devidamente "coladas", entretanto fora a unica que não ficou desfigurada, permaneceu inteira, apenas com uma das pernas soltas.
Durante a manipulação da
argila algumas observações foram feitas: estruturação da forma, saídas criativas
para problemas que apareciam no ato de criar uma escultura tridimensional, coordenação
motora e a relação com o material.
Toda a sequencia estava ruida, desde Urano apontando para Gaia engolir seus filhos, até o momento em que ela pega e leva à boca, engole e depois já com os vários filhos na barriga (a escultura com a barriga cheia de furos representando os vários filhos engolidos)
Em alguns momentos parava-se
para observar a “sujeira” que a argila deixava nas mãos, ou para recontar a
história e ver se não perdera nenhuma cena, em outro momento tentava quase
desesperadamente deixar a escultura em pé sem que para isso fosse feita uma
análise sobre como fazer isso da melhor forma.
Eu, enquanto terapeuta, não
fui solicitada para ajudá-lo, e mesmo que fosse considerei que naquele momento
era importante para o seu processo que eu não interferisse, ainda que eu visse
que a escultura fosse ruir. E assim aconteceu.
Na sessão seguinte, com praticamente
todos os personagens fragmentados e caídos entramos de fato no tema, a falta de
terra em sua vida, ou seja, a falta de estruturação, de construção e de
coagulação. A partir dai, ficou claro a necessidade de trabalhar Puer e Senex juntos, trazendo para o equilíbrio a força Puer e potencializar a força Senex para que ele consiga se estruturar
psiquicamente e na vida.
À esquerda de todas as esculturas está uma, mais úmida, que fora o produto da reflexão diante da ruína da modelagem realizada anteriormente. Mais um boneco, representando ele mesmo, dessa vez sentado, "para não correr o risco de cair", conforme ele disse, com as mãos na cabeça desesperado com a cena!
Logo, o elemento terra
aparece aqui, nesse caso, como um identificador de que há um excesso de ar e
uma enorme dificuldade de lidar com a terra. A estratégia para esse caso é equilibrar
o ar através de dinâmicas e materiais que lidem com os atributos desse elemento
e potencializar a terra com materiais que ressoem seus atributos.