Nas últimas semanas algo saltou aos meus olhos: em
duas sessões com pacientes diferentes, após a produção de um trabalho
expressivo, o resultado e os símbolos produzidos ficaram em segundo plano e
reflexões interessantíssimas foram levantadas ao expressarem o que sentiam enquanto produziam.
Uma paciente demonstrava inquietude,
ansiedade. Enquanto eu a observava ela disse:
-
Eu fico muito nervosa fazendo esses trabalhos pois a minha sensação é que estou
sendo avaliada... Eu acho que você
está avaliando meu trabalho.
Ser avaliada. Uma questão para a
paciente. A partir de então ela começou a falar de si, como teme a avaliação e
a percepção das pessoas sobre ela.
Em outra ocasião a paciente relatou
a sensação ruim de não saber o que fazer. Mesmo em um segundo momento encontrando
um caminho para a produção criativa, deu ouvidos ao incômodo inicial com o fato
de “ter que produzir algo rápido” e “ter que satisfazer o meu pedido, a minha
expectativa”. (Quem disse que ela tinha que ser rápida? E quem disse que ela
tinha que fazer o que eu pedi?) Naquele
dia toda a reflexão girou em torno de como a pressa e a satisfação do outro
marcavam as suas relações.
Cenas que apareceram durante o
processo criativo, mas que na verdade são repetições de dinâmicas que os
pacientes vivenciam no seu dia a dia, em seus relacionamentos. Em ambos os
casos as pacientes relataram suas fantasias em relação à terapeuta enquanto
produziam. Mas seus sentimentos não surgiram apenas nestas situações específicas
e não se aplicam à pessoa da terapeuta, e sim repetem experiências anteriores.
São na verdade um revivência artificial de sentimentos primitivos. Na teoria da
psicanálise este fenômeno é denominado por Freud de transferência, e tomar consciência destas repetições faz parte do
trabalho analítico.
Em arteterapia, muitas vezes se prioriza a reflexão
sobre o resultado ou o símbolo produzido. De fato, o que o paciente produz traz
muitos conteúdos a serem pensados na terapia. Mas desenvolver o olhar para o processo cada vez tem me convidado mais.
É notório que mesmo em sessões de arteterapia em que o paciente está com a
atenção voltada para seu próprio processo criativo, o fenômeno da transferência
se impõe e deve ter o seu lugar.